A iconografia ligada a Nossa Senhora da Nazaré e o Milagre de D. Fuas Roupinho é relativamente vulgar na região Oeste do país, particularmente na Nazaré.
Em Lisboa a representação deste tema é rara, mas durante as nossas caminhadas por esta cidade das Sete Colinas encontrámos 3 evocações a este milagre que queremos trazer aos nossos leitores.
Vamos em primeiro lugar conhecer a história de Nossa Senhora da Nazaré e o Milagre de D. Fuas Roupinho, uma das lendas mais famosas da história de Portugal.
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Nossa Senhora da Nazaré e o Milagre de D. Fuas Roupinho
O primeiro relato da história da origem da imagem de Nossa Senhora da Nazaré e o milagre de D. Fuas Roupinho, data de finais do séc. XVI.
Quem a contou foi o monge cisterciense Frei Bernardo de Brito, do Mosteiro de Alcobaça, ao qual se deve também a iniciativa de desobstruir a gruta onde supostamente teria sido encontrada a imagem da Virgem, para aí construir a capela que hoje existe no Sítio da Nazaré.
Conta o frei que a imagem da Virgem teria sido esculpida pelo próprio São José na Nazaré na Palestina, daí o nome, e depois de inúmeras vicissitudes trazida para a Península Ibérica e escondida numa gruta onde, no séc. XII, D. Fuas Roupinho a teria encontrado e venerado.
D. Fuas teria sido um nobre cavaleiro próximo de D. Afonso Henriques, 1º Almirante da Esquadra do Tejo, Alcaide de Porto de Mós e protagonista do célebre milagre. Conta-se que num dia de nevoeiro, enquanto perseguia um veado foi salvo de cair do promontório ao evocar a Virgem. Em sinal de agradecimento teria doado aquele território à Senhora da Nazaré.
A difusão deste culto foi desde o seu relato apreciável, primeiro oralmente, depois por escrito, sendo sempre iconograficamente associado ao milagre de D. Fuas Roupinho. Desde então romeiros de toda a parte e de todos os estratos sociais ali passaram a acorrer e muitos milagres aconteceram.
Contudo, não existe nenhum documento coevo que comprove a existência deste cavaleiro e hoje sabe-se que a imagem da Virgem é produto de uma oficina regional dos sécs. XIV ou XV. Estes factos confirmam a lenda e não a história mas seja como for interessam-nos as suas manifestações artísticas.
Vamos então dar-lhe a conhecer as 3 evocações em Lisboa a Nossa Senhora da Nazaré e o Milagre de D. Fuas Roupinho que se encontram em contextos muito diferentes e cronologicamente diversos.
Alfama, A Evocação num Registo de Azulejos
O registo de azulejos que podemos apreciar em Alfama, no Beco do Maquinez nº10, é a primeira e mais antiga das 3 evocações iconográficas a Nossa Senhora da Nazaré e o Milagre de D. Fuas Roupinho que encontrámos em Lisboa.
Trata-se de um registo em estilo rococó, datado do 3º quartel do séc. XVIII, produzido na sequência do terramoto de 1755, como a maioria dos registos de azulejos que encontramos sobre as portas e janelas dos bairros mais antigos de Lisboa. Após a tragédia, estas imagens de devoção e protecção tornaram-se vulgares e comuns a edificações de todos os estratos sociais.
O painel recortado consiste numa moldura policromada de amarelo, azul, verde e manganês constituída por motivos concheados, vegetalistas e florais. Esta moldura complexa envolve três cenas distintas pintadas a azul e branco.
Em baixo, à esquerda São Marçal, bispo com os seus atributos mitra, dalmática e báculo, abençoa a casa e quem ali passa. Este santo é muito representado neste contexto popular como protector contra os incêndios e por isso padroeiro dos bombeiros.
À direita São Francisco de Assis empunha um crucifixo e exibe os estigmas.
É o protector dos animais e a representação do despojamento, da humildade e da esperança.
Finalmente ao centro, em destaque está representada a aparição de Nossa Senhora da Nazaré e o milagre de D. Fuas Roupinho. A Senhora encontra-se coroada, de pé e com o menino ao colo, envolta em nuvens. Mais abaixo D. Fuas a cavalo e em perseguição ao veado é captado no momento exacto em que o cavalo estanca, evitando a queda do penhasco.
A opção por esta iconografia indicia a proximidade do morador ou proprietário do prédio à Nazaré, o que não espanta dado encontrar-se no bairro de Alfama, outrora lugar de pescadores oriundos de diversas zonas piscatórias do país.
Cemitério dos Prazeres, Uma Evocação num Jazigo
Para irmos ao encontro da segunda evocação que lhe propomos temos de nos dirigir ao Cemitério dos Prazeres, em Campo de Ourique. Aqui, no cruzamento da rua 3A com a rua 26, encontramos o jazigo nº 5687 de Cândido Rodrigues, construído entre 1915 e 1917 que exibe um painel de azulejos onde está representada Nossa Senhora da Nazaré e o Milagre de D. Fuas Roupinho.
O projecto não se encontra datado nem apresenta memória descritiva que nos permita conhecer a intenção do encomendador. Contudo, a escolha deste tipo de iconografia tão específica e invulgar na região de Lisboa, resulta certamente de uma devoção ou relação pessoal do proprietário com a Nazaré, facto que é indiciado em documentação disponível no arquivo que consultámos.
O painel, que não está assinado nem tem sinalizado o local de fabrico, encontra-se emoldurado por um arco contracurvado, rematado por um círculo que encerra uma Cruz Patéa, símbolo do ideal de cavalaria espiritual e por esse motivo adoptada pela Ordem dos Templários.
Se lhe associarmos as duas colunas coríntias que ladeiam a porta do jazigo, sabendo que estas simbolizam a beleza e a personificação do 2º vigilante podemos extrapolar para o vocabulário Maçom, mas pode tratar-se apenas de uma opção decorativa.
Também este painel apresenta um esquema comum na azulejaria portuguesa, entre a 2ª metade do séc. XVIII e a 1ª metade do séc. XX, a representação de dois tempos: o presente, decorativo, colorido e o passado histórico ou mítico, nas cenas em azul e branco numa directa evocação à azulejaria do início de setecentos.
A representação naturalista indicia um artista mais erudito do que o de Alfama mas a composição é idêntica.
Não se iniba de fazer uma visita a este fantástico cemitério histórico, ali encontrará um verdadeiro museu a céu aberto com muitos outros motivos de interesse.
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Gare Marítima de Alcântara, A Evocação no Mural de Almada Negreiros
A última evocação que lhe trazemos de Nossa Senhora da Nazaré e o Milagre de D. Fuas Roupinho encontra-se na Gare Marítima de Alcântara num mural do artista plástico Almada Negreiros realizado nos anos 40 do séc. XX.
A Gare Marítima de Alcântara é um edifício modernista projectado pelo arquitecto Porfírio Pardal Monteiro que se situa na zona Ocidental de Lisboa.
Outrora sala de visitas de quem chegava a Lisboa por via marítima, hoje é um local menos acessível mas que pode conhecer na oportunidade que o Porto de Lisboa lhe dá através de visitas guiadas programadas de excelente qualidade às Gares Marítimas de Alcântara e Rocha do Conde D’Óbidos.
As pinturas que Almada Negreiros realizou para a Gare Marítima de Alcântara consistem em dois trípticos que evocam a vocação marítima e aventureira dos portugueses e a vida ribeirinha de Lisboa, e duas pinturas isoladas onde são defendidos valores simbólicos e tradicionais.
É num destes últimos que encontramos a representação do Milagre da Nazaré, uma composição tradicional mas que apresenta alguns pormenores curiosos.
D. Fuas Roupinho encontra-se vestido de cavaleiro tauromáquico, o que nos remete para uma tradição cultural portuguesa muito apreciada à época.
A Senhora da Nazaré por sua vez é representada com os atributos de Nossa Senhora da Conceição, rainha de Portugal, para além de coroada e de ter o Menino ao colo tem aos pés o crescente lunar e a cobra com a maçã do pecado original.
Na parte inferior do mural são ainda representadas as gentes da Nazaré com os seus curiosos trajes tradicionais entregues à sua dura faina. Esta peculiar vila piscatória foi uma das primeiras a serem promovidas internacionalmente, tendo a sua economia progressivamente passado da pesca para o turismo.
Termina aqui a nossa apresentação das 3 evocações de Nossa Senhora da Nazaré e o Milagre de D. Fuas Roupinho. Se conhecer outras não hesite em partilhá-las connosco!
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