Esta semana a Rosa transporta-nos para a Lisboa pitoresca das figuras populares das varinas e dos ardinas da sua infância em Sapadores e na Graça, pelos passeios por Santa Luzia, pela Baixa e pela praia de Algés… Lisboa em Nós de Rosa Simão constitui uma partilha de memórias nostálgica, mas não saudosista, que apela aos sentidos e que vai adorar ler.
A Rosinha, como era carinhosamente tratada, nasceu num pátio alfacinha, em Sapadores, onde a sua mãe e os seus tios já haviam nascido, numa casa térrea, com quintal nas traseiras, palco e cenário das suas brincadeiras solitárias.
O seu pátio tinha sempre o portão aberto, pronto a receber visitas, que se faziam anunciar com os pregões cantados em voz vibrante. Lembra-se da mulher da “fava-rica”, com um panelão à cabeça, ainda a fumegar e a exalar um aroma quente e voluptuoso… Lembra-se da mulher dos “figos de capa rota”, num cesto de verga, sobre uma cama de folhas de figueira… Lembra-se da tia Albertina peixeira, roliça, de canastra à cabeça, saia rodada e avental preto bordado… Lembra-se do limpa-chaminés, que vinha sempre antes do Natal, para que a chaminé estivesse pronta a acolher o Menino Jesus… Lembra-se dos ardinas, crianças ainda, como ela, de sacola de pano ao ombro, a vender jornais…
Lembra-se das caminhadas a pé até à Baixa, com a mãe, ou a viagem de eléctrico, que apanhavam, na Graça. E era para a casa da tia, na Graça, que, na manhã do dia de Natal, carregava os brinquedos recebidos do Menino Jesus, para partilhar brincadeiras com a prima. E até houve um Natal em que o Menino Jesus chegou uns dias mais cedo e deixou-lhe uma boneca, escondida no guarda-vestidos do quarto dos pais. Uma boneca grande, com olhos azuis, um vestido de seda vermelho e uns sapatinhos brancos…
Lembra-se dos passeios, nas noites quentes de Verão, até ao Cais das Colunas e o cheiro fresco a maresia… as brincadeiras, no Miradouro do Monte… as crianças que se banhavam, nas tardes quentes, na “piscina” do Miradouro de Santa Luzia, e que ela invejava, pois esse prazer lhe estava vedado…
Lembra-se das manhãs passadas na praia de Algés – e lá está ela, numa foto, com os seus 2 anos, com um chapéu de palha de abas largas e um fato de banho de alças, numa mão uma pá, na outra um balde… E lembra-se, também, dos sustos que apanhava, quando, à beira-mar, um desconhecido pegava nela e a mergulhava no mar, a pedido da mãe…
Lembra-se das matinés de Sábado e Domingo, no Cine Oriente, na Penha de França, onde vivia aventuras ingénuas e melodramáticas com a Marisol e o Joselito, o pequeno rouxinol, como era apelidado, na época… E lembra-se dos chupa-chupas e dos colares de pinhões e dos nougats que a esperavam, à saída, num cesto de verga, acompanhado por uma vendedeira…
E lembra-se de uma tarde de compras, com a mãe, nas lojinhas do Martim Moniz, de uns sapatinhos amarelos com um lacinho e uma malinha a condizer… E lembra-se dos lanches, numa leitaria da Rua Barros Queirós, o leite quente, com a bola de berlim com creme ou o bolo de arroz… Adorava ir à Baixa com a mãe!…
Memórias de uma Lisboa que deixou, a contragosto, no início da sua adolescência, para viver na outra margem do Tejo, mas que recuperou, quotidianamente, na sua juventude, enquanto estudante universitária e, mais tarde, enquanto professora.
Uma Lisboa que, independentemente do seu lugar de residência, continua a habitar nela e sempre permanecerá viva em si, através das memórias que acalenta e venera…
Lisboa, a sua cidade, das ruelas esconsas, das vielas sombrias, dos bairros populares, cada um revelando uma Lisboa diferente, de mãos dadas com a Lisboa moderna e cosmopolita do Chiado, da Avenida da Liberdade, das avenidas novas!… Lisboa, A Cidade Branca, cantada por Alain Tanner! Lisboa misteriosa, fascinante, sedutora, encantadora…
E, quiçá, um dia, ainda nesta ou numa outra vida, a Rosinha regresse à sua cidade, definitivamente, para habitar a mansarda dos seus sonhos, virada para o Tejo, para nele mergulhar o olhar, em cada amanhecer e em cada ocaso…
Nota: A autora escreve segundo a antiga grafia.
| Lisboa em Nós de Rosa Simão | |
|---|---|
| Mini apresentação | Nascida em Lisboa, num pátio alfacinha, em 1955, psicóloga clínica de formação académica, iniciou a sua caminhada profissional como professora – a sua primeira paixão; posteriormente, abraçou a atividade como psicóloga num projecto de integração social de jovens, intensamente investido e vivido, afectiva e emocionalmente; desde 2005, está ligada à área da educação/formação de adultos, como técnica de orientação, reconhecimento e validação de competências. Cada uma destas experiências contribuiu – e a última continua/continuará a contribuir, espera, até poder dedicar-se-lhe – para a sua construção enquanto pessoa, pois acredita que somos um projecto inacabado, até exalarmos o nosso último suspiro. Emotiva, apaixonada – pelas suas Pessoas, arte, literatura, viagens – privilegia viver o AQUI e o AGORA, o mais intensamente possível, muito embora, de quando em vez, a assaltem momentos de nostalgia por tudo e por todos aqueles que fizeram parte integrante da sua história, alguns já idos, mas que continuam a habitar em si. |
| Um local inspirador | Alfama e as suas ruelas, a Graça, o Miradouro da Nª Sra. do Monte. |
| Uma visita imperdível | Museu Nacional de Arte Antiga |
| Água na boca com… | Peixinhos da horta, acompanhados com arroz de tomate e, como sobremesa, pastéis de Belém. |
| Uma música… | Lisboa menina e moça, Carlos do Carmo; Lisboa que amanhece, Sérgio Godinho com Caetano Veloso; e Lisboa, Pólo Norte. |
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