Lisboa conta, desde 27 de Fevereiro de 2019, com mais um núcleo museológico de elevado interesse sociológico e patrimonial, o Museu do Lactário, cujo espólio é raro não só no país mas também a nível europeu.
Situado em Santa Apolónia, ocupa as antigas instalações do primeiro lactário implementado em território nacional para apoiar as mães e crianças carenciadas da zona de Alfama.
Depois deste foram criados mais três na cidade de Lisboa. Por todos eles passaram cerca de 16.000 crianças.
Vamos contar-lhe esta história, convidando-o a conhecer este curioso museu e o projecto que está na sua origem.
A Dura Realidade Social
No fim do séc. XIX início do séc. XX os índices de mortalidade infantil e de analfabetismo eram muito elevados. Esta vivência de miséria, herança da secular monarquia, assim permaneceu durante o curto e atribulado período da 1ª República e a longa ditadura do Estado Novo. Só após a revolução de Abril de 1974 é que esta realidade veio a ser estruturalmente transformada.
As diferenças de qualidade de vida alcançadas após a revolução são mensuráveis em índices relacionados com a educação, a habitação, a saúde entre outros. Estes estão bem patentes na exposição permanente do Museu do Aljube, outro indispensável museu que importa conhecer.
Das carências habitacionais e alimentares das camadas mais baixas das populações derivavam todo o tipo de problemas. A higiene das habitações era precária, as mulheres não dispunham de qualquer tipo de acompanhamento pré-natal, a sua própria carência alimentar não lhes permitia ter leite para alimentar os seus bebés, entregando-os muitas vezes a amas-de-leite, portadoras de doenças contagiosas fatais como a sífilis…
Existem inúmeros destes casos documentados no espólio da Colecção de Dermatologia do Hospital dos Capuchos. Os tempos felizmente mudaram muito, hoje estas situações para além de nos indignarem também nos espantam, uma vez que não passou assim tanto tempo sobre estes acontecimentos.
Aboim Ascensão e o Primeiro Lactário de Lisboa
O primeiro lactário de Lisboa foi criado em 1901, fruto da iniciativa do coronel Rodrigo António Aboim Ascensão (1859-1930), comandante da Companhia de Cavalaria da Guarda Fiscal situada no bairro de Alfama.
Este mecenas foi sensibilizado pela morte prematura do filho de apenas 8 meses e com o confronto diário com as deploráveis condições de vida da população de Alfama. A sua obra permitiu não só fazer face às carências alimentares mais prementes das crianças deste bairro, como teve um papel educativo junto das mães, revolucionando assim os cuidados maternos e infantis. Nunca seria o suficiente para resolver no âmago um problema tão complexo, mas sem dúvida fez a diferença na realidade desta população.
Foi na Exposição Universal de Paris de 1900 que teve contacto com a vanguarda francesa no que dizia respeito ao apoio à primeira infância. Com base no modelo francês das gouttes-de-lait (gotas de leite), desenvolvido pelo pediatra Léon Dufour (1856-1928), Aboim Ascensão cria em Portugal a Associação Protectora da Primeira Infância que promovia a distribuição gratuita de leite, de qualidade controlada, a crianças carenciadas, bem como acompanhamento pediátrico e social.
Assim, em edifícios planeados pelo arquitecto Ventura Terra (1866-1919), tem início este ambicioso projecto que se designou lactário, uma palavra que teve de ser inventada para nomear tão inovadora actividade.
O Pioneiro Lactário
Como nos revela a divulgação do Museu do Lactário que agora ocupa este espaço:
“O serviço estava organizado em diferentes áreas:
- Serviço de Lacticologia, responsável pela produção de leite higiénico;
- Serviço de Lactário, que realizava a distribuição diária de leite mediante prescrição médica;
- Serviço Médico, com um pediatra que acompanhava semanalmente cada utente e apoio neonatal com uma tecnologia de ponta à época: incubadoras de Alexandre Lion;
- Serviço Social, o qual prestava apoio ao agregado familiar através da acção das Protectoras Assistentes;
- Serviço Administrativo, responsável pela gestão da Associação e pela comunicação com o exterior.”
Ao lado, em instalações independentes, funcionava uma vacaria devidamente acompanhada por um vaqueiro e um veterinário que zelavam pela produção e qualidade do leite.
Devido à grande procura, o leite aqui produzido passou a ser também distribuído noutros postos espalhados pela cidade. Primeiro em 1907 próximo do bairro da Madragoa, em Santos-o-Velho, mais tarde em 1927 em Alcântara e por fim em 1929, na zona oriental da cidade, no Beato.
Estas instalações têm vindo a desaparecer; hoje mantém-se edificada mas desactivada a do Beato que já não pertence ao lactário. Gostaríamos que fosse mantida para memória futura, adaptada a outra função.
Durante o seu funcionamento o lactário forneceu a cada criança apoiada um enxoval completo executado por voluntárias que costuravam e bordavam as pequenas roupinhas, mantas e lençóis.
Para além do serviço prestado nas instalações a associação contava com voluntárias, as protectoras assistentes, que realizavam visitas domiciliárias, dando apoio e conselhos de higiene e cuidados maternos.
O Lactário de Lisboa contou sempre com o apoio das elites e das mais relevantes figuras do Estado. Primeiro os reis e depois os presidentes contribuíam para a visibilidade do projecto com as suas visitas e distribuição de enxovais pelo Natal. Esta presença está também patente no espólio do museu.
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O Museu do Lactário
O Museu do Lactário nasceu da iniciativa da Fundação Aboim Sande Lemos (FASL) com o intuito de divulgar a história e o património da Associação Protectora da Primeira Infância.
O espólio que aqui se encontra reunido é raro, não só no país mas também a nível europeu, uma vez que a destruição causada pelas duas terríveis guerras mundiais levou ao desaparecimento dos então modernos equipamentos que aqui podemos observar. São o caso das primeiras incubadoras do início do séc. XX, que receberam bebés prematuros e que o museu conserva e destaca.
A colecção contempla diversos tipos de objectos, entre pintura, escultura, azulejaria, fotografia, material técnico, objectos de uso quotidiano, mobiliário… que se encontram organizados em duas áreas temáticas, uma dedicada ao fundador e outra dividida em núcleos relacionados com a actividade do lactário propriamente dita.
Estão aqui representados todos os serviços então disponibilizados e podemos assim observar os objectos relacionados com as diferentes actividades. Não faltam as amostras de enxovais, as pequenas colheres com que se alimentavam os prematuros, as garrafas de leite graduadas a que se adaptavam tetinas ou mesmo o equipamento técnico usado na produção do leite higiénico, entre outros.
A exposição conta ainda com um apelativo filme que descreve e ilustra a história do lactário desde a sua fundação.
Tudo a não perder!
As visitas ao Museu do Lactário são realizadas com guia, também em língua inglesa e requerem marcação prévia.
Mais informações na página do Museu.
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