Colecção de Dermatologia do Hospital dos Capuchos

Colecção de Dermatologia do Hospital dos Capuchos

Hoje, fazemos um teste às suas emoções! Vamos dar-lhe a conhecer a importante e impressionante Colecção de Dermatologia do Hospital dos Capuchos.

Mas em que consiste esta colecção de dermatologia?

O espólio desta colecção inclui documentação diversa, literatura científica e equipamentos, mas o mais surpreendente para o visitante leigo são sem dúvida os modelos de cera. Trata-se de  representações de lesões dermatológicas, realizadas sobre os doentes, destinadas ao ensino da medicina.

Este conjunto constitui um valioso acervo documental para pesquisas no âmbito da história das ciências, da saúde e até da arte e do património.

O Uso das Ceras: Horrores Preciosos

Máscara de cera da Colecção de Dermatologia do Hospital dos Capuchos
Máscara de cera da Colecção de Dermatologia do Hospital dos Capuchos

Antes de conhecermos a Colecção de Dermatologia do Hospital dos Capuchos, vamos falar-lhe um pouco sobre a utilização da cera para obtenção de modelos do corpo humano ao longo dos tempos.

A prática de fazer modelos em cera é muito antiga. A vontade dos romanos de fixar o rosto dos entes queridos falecidos, dará lugar, na Idade Média, à tétrica didáctica moralista de exibir modelos de cera, representando corpos em decomposição a fim de lembrar a fragilidade da vida e a certeza da morte.

Mas será a partir do Renascimento que esta prática terá como intenção auxiliar o estudo anatómico.

No que respeita à investigação e ensino da medicina sempre existiu um problema ético-legal. Questões relacionadas com a religião, a moral e a superstição, assim como dificuldades na prática de conservação dos corpos.

Sem outra melhor forma de fixar representações do corpo humano, o processo das ceras permitia obter modelos em três dimensões, em tamanho real e com um naturalismo impressionante.

Estas práticas, cujo principal objectivo era a pedagogia, associavam o realismo anatómico ao sentido estético e artístico. Era verdadeiramente um trabalho conjunto de médicos e artistas.

São famosas as peças de Gaetano Zumbo que no séc. XVII produziu modelos de cera com impressionante realismo de corpos em decomposição ou com patologias, que hoje se conservam no Museo La Spécola, em Florença. Este padre católico procurava para além do interesse científico enfatizar a noção de pecado, mostrando os sinais visíveis de doenças como castigos, consequências de comportamentos considerados desviantes.

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O Hospital do Desterro e as “Doenças Vergonhosas”

Busto de homenagem ao Professor Mello Breyner na entrada do Salão Nobre do Hospital dos Capuchos, onde se encontra a Colecção de Dermatologia
Busto de homenagem ao Professor Mello Breyner

No início do séc. XVI encontramos já referência a uma enfermaria específica que existia no Hospital Real de Todos-os-Santos, chamada a Casa das Boubas. Para ali eram conduzidos todos os doentes que apresentavam patologias com manifestações dermatológicas de diversa origem, incluindo o que mais tarde se veio a identificar como sífilis. Uma terrível epidemia que nessa altura atingiu toda a Europa e só veio a ser  controlada em meados do séc. XX.

Após o terramoto de 1755 os doentes das boubas foram ocupar a zona mais insalubre do Hospital Real de São José e mais tarde enviados para o anexo Hospital do Desterro, lugar dos excluídos da sociedade, vítimas de sífilis e outras moléstias venéreas e dermatológicas.

No Hospital do Desterro procurava-se controlar a actividade das meretrizes matriculadas que eram vistas como um perigo para a saúde pública, muitas vezes obrigadas a ali passar longos períodos de internamento, sujeitas a complicados tratamentos que tinham como base mercúrio.

A partir de 1897 foi criada uma consulta externa de sífilis e doenças venéreas que podia abranger toda a população, responsabilidade do discípulo do estimado médico Sousa Martins,  Dr. Thomaz de Mello Breyner (1866-1933).

icha de uma doente da consulta externa de doenças da pele e sífilis do Hospital do Desterro (1941), da Colecção de Dermatologia do Hospital dos Capuchos
Ficha de uma doente da consulta externa de doenças da pele e sífilis do Hospital do Desterro

Este médico para além de supervisionar os serviços e fazer consultas, registava com minúcia os dados clínicos dos doentes. Os livros de consultas externas e as anotações pessoais deste extraordinário médico fazem parte do espólio da Colecção de Dermatologia do Hospital dos Capuchos. Estes são documentos fundamentais para a reconstituição sociológica do perfil das pessoas ali assistidas, para conhecer o dia-a-dia do funcionamento do hospital, das terapias utilizadas, da moral vigente…

A continuidade do trabalho de Mello Breyner foi assegurada, após a sua morte, por outro importante médico dermatologista, Luís Alberto Sá Penella, responsável pela maioria dos modelos de cera realizados nos anos 30/40 do séc. XX no Hospital do Desterro.



Origem e Espólio da Colecção de Dermatologia do Hospital dos Capuchos

Salão Nobre do Hospital dos Capuchos onde se conserva a Colecção de Dermatologia
Salão Nobre do Hospital dos Capuchos onde se conserva a Colecção de Dermatologia

O projecto do Museu da Dermatologia Portuguesa foi pensado em 1947, entre outros por Caeiro Carrasco, Director do Serviço de Dermatologia do Hospital dos Capuchos, ao qual se deve a iniciativa de mandar executar 92 das figuras de cera que aqui se encontram.

Os principais objectivos deste projecto consistiam na salvaguarda da impressionante colecção de modelos de cera e em homenagear os responsáveis que contribuíram com o seu trabalho para um espólio tão rico e relevante.  

Para além das impressionantes figuras de cera, fazem parte da Colecção de Dermatologia do Hospital dos Capuchos, documentação resultante do excepcional trabalho do Professor Mello Breyner, literatura e equipamentos diversos, publicações e folhetos de propaganda de profilaxia da sífilis que circularam na primeira metade do séc. XX.

A ideia do Museu foi posta em prática em 1955 e ocupou uma sala do Hospital do Desterro que acabou por encerrar em 2007. O espólio foi transferido para o actual local, graças ao cuidado e interesse de outro médico dermatologista, João Carlos Rodrigues.

Hoje ocupa o Salão Nobre deste hospital, espaço que se pensa corresponder à antiga Sala do Capítulo do Convento de Santo António dos Capuchos do séc. XVI. No séc. XIX esta sala foi reformada pela Confraria do Asilo da Mendicidade que ocupou as instalações do convento após a extinção das ordens religiosas em 1834, e da qual se destacam os ricos motivos decorativos em gesso.

Sugerimos a leitura do texto Santana: As Razões do Nome Colina da Medicina para conhecer um pouco a história desta colina relacionada com a saúde e o conhecimento.

As Figuras de Cera da Colecção de Dermatologia

Expositores com modelos de cera de diferentes patologias da Colecção de Dermatologia do Hospital dos Capuchos
Modelos de cera de diferentes patologias

Temos necessariamente que realçar os 264 impressionantes modelos de cera deste rico espólio, cuja visão pode perturbar um incauto visitante. Estes magníficos exemplares suscitam no observador, em simultâneo, sensações de repugnância e curiosidade. O seu exacerbado realismo classifica-as como notáveis peças de arte, contudo é inevitável a repulsa pela representação das lesões e pelo sofrimento que se adivinha terem causado.

As máscaras de cera eram feitas sobre as lesões, directamente sobre os corpos dos doentes em vida. A zona a reproduzir era protegida com uma substância gorda para evitar a aderência do gesso à pele. Deste procedimento resultava o molde para o modelo em cera que era depois pintado com coloração naturalista. A fim de imprimir ainda maior realismo eram aplicados pêlos, cabelos naturais, unhas e olhos. Os modelos eram depois fixados em suportes de madeira e identificados com o nome da patologia em causa.

Pensa-se que estas máscaras foram realizadas com as colaborações dos pintores Albino Cunha e Joaquim Barreiros, este último professor na Escola de Belas Artes de Lisboa e artista da Fábrica de Porcelana da Vista Alegre.

Curiosamente desta colecção faz parte uma peça distinta do conjunto, proveniente do consultório do médico Álvaro Lapa, especialista em dermato-venereologia que se encontra assinada. Trata-se de uma mão com um cancro duro realizada pelo escultor ceroplástico E. Anneda.

Modelo de cera assinado pelo escultor ceroplástico E. Anneda da Colecção de Dermatologia do Hospital dos Capuchos
Modelo de cera assinado pelo escultor ceroplástico E. Anneda

Para além do elevado valor artístico, esta colecção de ceras, tem um valor científico inestimável uma vez que reproduz com realismo e precisão, em três dimensões, patologias raras ou erradicadas, após o uso da penicilina. Lesões dermatológicas impressionantes provocadas por doenças como a sífilis ou a tuberculose cutânea entre outras patologias estão assim, aqui cristalizadas no tempo.

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Património em Risco

Corredor de acesso ao Claustro e ao Salão Nobre do Hospital dos Capuchos
Corredor de acesso ao Claustro e ao Salão Nobre do Hospital dos Capuchos

Infelizmente esta Colecção de Dermatologia do Hospital dos Capuchos assim como todo o diverso e imenso património pertencente ao Centro Hospitalar de Lisboa Central, situado na Colina de Santana, encontra-se em risco, dada a desmedida pressão imobiliária.

Este património inclui antigos conventos, palácios, igrejas, instalações hospitalares, o seu equipamento e documentação de diversas épocas, acervo de fundamental relevância para as histórias da arte e da saúde em Portugal.

É urgente a salvaguarda deste valioso património móvel e imóvel, no interesse do bem público, da cultura e da arte portuguesas.


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