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Neste artigo vamos à descoberta de sinais do Antigo Egipto que podemos observar nesta cidade das sete colinas. Não se trata de artefactos provenientes dessa longínqua civilização da antiguidade pré-clássica que se desenvolveu há milhares de anos nas margens do rio Nilo e sobre os quais já lhe falámos em Arte do Antigo Egipto nos Museus de Lisboa. Desta vez dedicaremos a nossa atenção a elementos contemporâneos de inspiração egípcia que encontramos ao percorrer a cidade.
O Antigo Egipto é, sem dúvida, um período da história da humanidade incontornável pela grandiosidade, peculiaridade e beleza da sua produção artística. Esta civilização milenar, que havia caído no esquecimento dos europeus, foi redescoberta no final do séc. XVIII aquando das campanhas napoleónicas e provocou imediatamente a curiosidade e o interesse de intelectuais e artistas. Desde sempre envolta numa aura de mistério e fascínio, foi, pelos revivalismos românticos do séc. XIX, reproduzida e reinventada em elementos decorativos associados ao mobiliário, à arquitectura, à tumulária… Foi tal o impacto na quantidade de transacções de peças originais, falsificações e reinvenções, um pouco por todo o mundo, que se tratou de um tempo de verdadeira egiptomania.
Lisboa não será particularmente rica em alusões a esta temática mas reunimos cerca de uma dezena de intervenções que irão despertar a sua curiosidade.
Existirão mais? Certamente que sim, estas são apenas algumas sugestões por onde pode começar a sua “caça ao tesouro” dos sinais do Antigo Egipto.
Esfinges, Guardiãs ou Demónios
As Esfinges são seres míticos, cujas representações são originárias do Antigo Egipto, mas que foram reinterpretadas pelos gregos antigos. A esfinge egípcia apresenta-se como uma criatura antropomórfica que associa um corpo de leão a uma cabeça humana, geralmente um faraó com o seu nemés, o icónico turbante listrado. Por vezes é também representada com cabeça de carneiro. Trata-se de um guardião, forte, solar, em posição deitada, estático e sereno, como convém à mentalidade egípcia que se foca na maet, ou seja, na justiça, na verdade, na ordem, no equilíbrio, na harmonia.
A reinterpretação grega da esfinge confere-lhe um carácter diverso. Aqui o guardião transforma-se em demónio, símbolo de destruição e má sorte. A postura passa a erecta, pronta a devorar o incauto, o corpo de leão ganha asas de águia e por vezes cauda de serpente, a cabeça e o busto passam, com frequência, a ser de mulher.
Estas últimas representações reaparecem com o Renascimento e desde então passam a integrar a gramática clássica que se reproduzirá como elemento decorativo em diversos suportes, ganhando tantas variantes e dinâmica ao longo dos tempos que frequentemente já não as reconhecemos de forma imediata como esfinges.
Com excepção do Palácio da Ega, os exemplos de esfinges que apontamos como sinais do Antigo Egipto, são ambíguas pois reúnem características de ambas as civilizações. Este facto pode ser entendido como reflexo da falta de preocupação com o rigor ou mesmo desconhecimento, sendo mais relevante a criatividade, a fantasia e o sentido decorativo.
Palácio da Ega
No Salão Pompeia do Palácio da Ega, ocupado actualmente pelo Arquivo Histórico Ultramarino, estão patentes representações destas criaturas fantásticas nas pinturas decorativas de gosto neo-clássico que embelezam o tecto. Esta obra foi encomendada pelo então proprietário do imóvel, o 2º conde da Ega, Aires José Maria de Saldanha.
Nesta intervenção de 1807, as esfinges têm as características dos demónios gregos, carregadas de dinamismo e movimento, parecem assumir o papel de guardiãs ao emoldurar as cenas dos medalhões, presentes a toda a volta deste magnífico salão nobre.
Quinta da Alfarrobeira
Na Quinta da Alfarrobeira, propriedade de recreio de carácter barroco da 1ª metade do séc. XVIII, hoje muito transformada e actual sede da Junta Freguesia de São Domingos de Benfica, existem duas grandes esfinges que encimam um portão do jardim.
Os seus corpos de leão apresentam-se deitados e as suas cabeças estão ornadas com um nemés bastante criativo, os seus bustos apresentam seios femininos e as cabeças voltam-se com vigor para trás, aspectos que contrariam o imaginário egípcio.
A sua posição relativa também denuncia o afastamento desta estética; em vez de guardiãs que ladeiam o caminho que as separa, encontram-se enviesadas e de costas uma para a outra, numa pose algo teatral e dissimulada.
Sem dúvida duas belas peças, produto da liberdade criativa do revivalismo romântico do séc. XIX, presentes num espaço surpreendente.
Farmácia Andrade
Também do séc. XIX, mais precisamente do ano de 1837, data a Farmácia Andrade situada no nº125 da Rua do Alecrim. Este é um dos mais antigos estabelecimentos da cidade e está classificado como Lojas com História.
O seu interior é enriquecido com um bonito tecto com trabalho em estuque a par do mobiliário original. Este é constituído por estantes de madeira exótica cujos cantos são rematados por meias colunas caneladas, sobre as quais se encontram quatro esfinges douradas.
Aqui, estamos perante pequenos corpos de leão com grandes cabeças e protuberantes bustos femininos. Esta desproporção faz-nos pensar na sobreposição do humano (racional) sobre o animal (instinto natural). Presentes nos quatro cantos do espaço, apresentam-se como guardiãs dos segredos das receitas dos medicamentos que se produziam nesta farmácia, uma simbologia que alia a sabedoria e o segredo.
Quinta das Laranjeiras
Na Quinta das Laranjeiras para além de esfinges, constatamos também a existência de outros sinais do Antigo Egipto.
Outrora constituída por palácio, teatro, jardins e mata, a Quinta das Laranjeiras resulta da junção, em 1877, da Quinta de Santo António, cujas origens remontam aos finais do séc. XVII, com a Mata das Águas Boas e a Quinta dos Barnacenas, por parte do seu então proprietário, o Comendador José Pereira Soares. Desde 1905 o Jardim Zoológico de Lisboa ocupa a maior parte da sua área.
O Palácio das Laranjeiras e o Teatro Thalia, com entrada pela Estrada das Laranjeiras, datam das primeiras décadas do séc. XIX quando a propriedade pertenceu, primeiro ao 1º Barão de Quintela, e depois ao seu filho, Joaquim Pedro Quintela, 2º Barão de Quintela e 1º Conde de Farrobo. Este foi o responsável pelos melhoramentos, embelezamento e fama da propriedade, onde promovia festas e espectáculos memoráveis que deram inclusive origem à expressão forrobodó, termo derivado do título Farrobo.
No Teatro Thalia encontramos quatro esfinges alinhadas que ladeiam os acessos às três portas de entrada. Para além de guardiãs protectoras, conferem monumentalidade ao edifício de expressão neo-clássica, marcado pelo corpo avançado formado por quatro colunas que sustentam um frontão triangular liso, coroado por duas urnas e pela musa Thalia.
Na zona de livre acesso do Jardim Zoológico, com entrada por Sete Rios, deparamo-nos com outra esfinge nas proximidades de uma curiosa ponte suspensa. Esta é composta por quatro colunas, com capitéis em forma de palmeira, sobre os quais se observam quatro estátuas idênticas de homens egípcios. Com corpos mais gregos que egípcios mas ainda assim em atitude frontal, estão vestidos com saiotes e turbantes que nos revelam a sua identidade. A forma das suas mãos indicia que terão empunhado lanças, tratando-se por isso, possivelmente, da representação de guardas.
No enfiamento do Palácio e dos jardins de buxo, existe uma alameda, hoje integrada no Zoo mas visível da zona de livre acesso, onde um obelisco de dimensões consideráveis assinala uma visita do rei D. João VI à propriedade.
Obeliscos, Pirâmides e Outros Sinais do Antigo Egipto
Os sinais do Antigo Egipto em Lisboa não se esgotam em esfinges e figuras humanas como estas do Zoo ou a Egípcia do Jardim do Torel a que já dedicámos um artigo. Formas arquitectónicas como obeliscos e pirâmides estão igualmente presentes.
Obeliscos
Os obeliscos são um pilar de pedra de base quadrangular que afunila na direcção do alto e que é rematado por uma pirâmide. Trata-se de um símbolo solar de exaltação e protecção, oriundo do Antigo Egipto que era erigido com carácter comemorativo. Nas suas faces eram gravadas inscrições com a descrição dos feitos ou personalidades a exaltar.
O maior exemplo presente em Lisboa será o Monumento aos Restauradores, um grande obelisco de 30 metros, implantado na praça com o mesmo nome, no dia 28 de Abril de 1886 que comemora a restauração da independência de Portugal, no dia 1 de Dezembro de 1640.
Mas encontramos outros obeliscos mais pequenos, por exemplo relacionados com monumentos funerários nos cemitérios históricos. São inúmeros, de diferentes tamanhos mas podemos destacar pela sua espectacularidade o obelisco que assinala o jazigo subterrâneo de José Elias Garcia (1830-1891), proeminente militar, intelectual e político republicano maçom que foi vereador e presidente da Câmara Municipal de Lisboa, erigido no Cemitério do Alto de São João.
Pirâmides
Mais exóticas e directamente relacionadas com a ideia de morte, preservação de memória e eternidade no Antigo Egipto, são as pirâmides que com a mesma intenção aqui nos surgem associadas a jazigos.
Destacamos como exemplos no Cemitério dos Prazeres o grandioso mausoléu dos Duques de Palmela (1849); no Alto de São João o jazigo da família Pizani (construído à sua semelhança em 1852); ou no Cemitério dos Ingleses o jazigo do general alemão Christian August, 3º príncipe de Valdeck, falecido em Sintra em 1798.
Este último tem ainda associadas duas urnas às quais estão encostadas quatro figuras que, aparentemente, nos remetem para o Antigo Egipto mas que, infelizmente, se encontram sem cabeça. Em volta das urnas, numa faixa com decoração de gramática clássica, observam-se pequenas esfinges aladas.
Estes três monumentos funerários são indiscutivelmente espectaculares mas não são únicos e se estivermos atentos constatamos que o tema das pirâmides é recorrente.
Outros Sinais do Antigo Egipto do Séc. XX
Se até agora os exemplos de sinais do Antigo Egipto referidos são todos do séc. XIX quando esta estética era mais apreciada e exaltada, não devemos deixar de assinalar duas intervenções do séc. XX que nos parecem incontornáveis: o monumento de homenagem a Calouste Gulbenkian e a Torre do Tombo.
A primeira é uma escultura de grandes dimensões localizada nos jardins da Fundação Calouste Gulbenkian e data de 1965. Da autoria de Leopoldo de Almeida (1898-1975), reproduz em bronze e pedra uma fotografia do coleccionador, captada no Egipto em 1934, onde este se encontra sentado na base da estátua do imponente deus Hórus em forma de falcão, deus dos céus e da luz, um guardião permanentemente atento e pronto a combater as trevas.
Por sua vez, a Torre do Tombo é um edifício implantado na Alameda da Cidade Universitária, inaugurado em 1990 e projectado pelo arquitecto Arsénio Cordeiro (1940-2013). A sua composição encerra elementos simbólicos, alguns deles relacionados com o Antigo Egipto. A sua configuração lembra os pilones dos antigos templos que se sobrepõem à base de uma pirâmide. Construções então concebidas para a eternidade, numa estética aqui perfeitamente adequada a um edifício destinado a conter o arquivo histórico nacional. Sobre as particularidades desta edificação já lhe falámos em Torre do Tombo, um Templo Guardado por Gárgulas, artigo que o convidamos agora a re/ler.
Os sinais do Antigo Egipto referidos são, em geral, representações formalmente incoerentes que associam elementos de inspirações diversas mas cujo sentido permanece dentro do espírito dos egípcios antigos: protecção, preservação de memória e monumentalidade.
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