Esta semana em getLISBON convida temos a honra de contar com a colaboração de Isabel Almasqué e António José de Barros Veloso. Este casal de médicos, apaixonados por azulejaria, têm ao longo do tempo contribuído, de forma incontornável, para o estudo e divulgação desta tão particular e expressiva manifestação artística. São autores de vários livros de referência sobre esta temática e neste interessante artigo sobre os azulejos Arte Nova em Lisboa propõem-nos descobrir o contexto do aparecimento deste movimento artístico, as principais unidades de produção dos azulejos, os seus artistas e ainda uma chamada de atenção para alguns exemplares únicos da nossa cidade que merecem um olhar mais atento.
O movimento artístico conhecido por Art Nouveau surgiu na Europa nos finais do século XIX e apesar da sua curta duração (1885-1910), teve uma influência decisiva em toda a produção artística duma época marcada por profundas mudanças económicas e sociais relacionadas com a Revolução Industrial. Baseado na recusa dos estilos conservadores e académicos anteriores e fortemente influenciado pelas ideias do movimento Arts and Crafts, este estilo foi o ponto de encontro de múltiplas influências estéticas. Procurou conciliar a produção mecanizada com a qualidade estética e foi, de certo modo, precursor daquilo a que hoje chamamos “design”.
O Movimento Arte Nova em Portugal
Em Portugal, nos finais do século XIX, os meios culturais estavam ainda pouco receptivos às transformações sociais e às correntes estéticas que tinham dado origem a este movimento e o processo de industrialização encontrava-se ainda muito no início. Por isso, salvo raras excepções, a Arte Nova teve uma influência bastante discreta quer na arquitectura quer nas artes decorativas e foi talvez no campo da azulejaria que o seu desenvolvimento mais se expandiu.
Os seus principais motivos de inspiração foram os elementos da Natureza, procurando tirar partido de tudo o que pudesse sugerir movimento, leveza e liberdade, rejeitando a sugestão de volumetria e utilizando como ex-libris as linhas ondulantes e sinuosas.
O Caso de Lisboa
Em Lisboa, os azulejos Arte Nova decoram centenas de edifícios quer através do revestimento de fachadas com azulejos de padrão cujos elementos decorativos obedecem a esta estética, quer sobretudo através de faixas junto às cimalhas, de frisos contornando os vãos ou de painéis mais extensos, aplicados em frontões.
Lírios, amores-perfeitos, papoilas, nenúfares, girassóis e outros elementos vegetalistas, aparecem frequentemente, representados de maneira estilizada e dispostos ao longo de linhas sinusoidais, numa sugestão de movimento; borboletas, libélulas, pavões, cisnes, patos ou andorinhas, símbolos da liberdade e da leveza do mundo das aves e dos insectos, aparecem também com certa frequência. Mais raras, são as representações da figura feminina, quase sempre envolta em vestes etéreas e esvoaçantes, ou ornamentada de longas cabeleiras ondulantes que se confundem com elementos orgânicos e vegetalistas.
Unidades de Produção de Azulejos
A Fábrica de Sacavém foi a grande produtora deste tipo de azulejaria não só para Lisboa como para o resto do País. Por um lado, o facto de possuir meios de produção e de decoração já mecanizados permitiu uma produção em larga escala e por outro, a influência dos seus proprietários ingleses que, a par das novas correntes estéticas que dominavam a Europa, mantiveram sempre contactos comerciais estreitos com outras fábricas inglesas que permitiram a importação de matérias primas, maquinaria, catálogos e até de alguns operários especializados e a adaptação da sua produção ao gosto português, nunca perdendo o seu característico cunho britânico.
A Fábrica do Desterro produziu igualmente bastantes exemplares deste tipo de azulejaria, utilizando as mesmas técnicas de produção e decoração de Sacavém, embora em menor escala. Outras, como a Fábrica Constância e a Cerâmica Lusitânia tiveram um papel mais modesto. No entanto, em Lisboa podemos encontrar azulejos Arte Nova produzidos por fábricas de outras regiões do País, nomeadamente pela Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha e pela Fábrica das Devezas. As técnicas utilizadas foram várias, com destaque para a pintura manual, a estampagem mecânica, a aerografagem e a estampilha.
Muitos destes ornamentos azulejares foram fabricados em série, com técnicas de produção semi-industriais e por artífices anónimos, não tendo qualquer referência à data em que foram pintados nem ao nome do seu autor. No entanto, a fábrica onde foram produzidos pode frequentemente ser deduzida através das técnicas de fabrico e decoração. Outras vezes, alguns painéis, por terem sido feitos de encomenda para determinadas fachadas e pintados por artistas mais conhecidos, estão datados e assinados, ou pelo menos, referem o nome da fábrica. As inscrições datadas que encontrámos em Lisboa situam-se entre 1903 e 1918.
Os Autores de Azulejos Arte Nova
Para além de Raul Lino, Rafael Bordalo Pinheiro e Costa Motta Sobrinho, autores dalguns dos exemplares mais notáveis de azulejos Arte Nova, outros pintores ficaram igualmente ligados a este tipo de azulejaria, nomeadamente Carlos Afonso Soares e José Lacerda que trabalharam na Fábrica de Sacavém, José António Jorge Pinto que trabalhou na Cerâmica Constância e na Fábrica de Campolide, Viriato Silva que também colaborou com a Cerâmica Constância, António Luís de Jesus, fundador da Fábrica de Campo de Ourique, e ainda outros como Alfredo Pinto, Luís Cardoso, Alberto Nunes e Francisco Gonçalves Freitas, autores de alguns painéis que ainda hoje podem ser vistos nalguns edifícios de Lisboa.
Principais Localizações dos Azulejos Arte Nova em Lisboa
Embora muito dispersos, os azulejos Arte Nova em Lisboa, concentram-se nalguns bairros, nomeadamente nas Avenidas Novas ou em Campo de Ourique.
Alguns exemplares, pela sua originalidade ou por terem sido feitos de encomenda para determinadas fachadas, merecem uma chamada de atenção especial. Aqui ficam as moradas para quem tiver curiosidade:
- Av. Praia da Vitória, 43;
- Av. Almirante Reis, 2;
- Av. Almirante Reis,74;
- R. Feio Terenas, 9;
- Av. 5 de Outubro, 6-8 (Casa-Museu Dr. Anastácio Gonçalves);
- R. Álvaro de Castro, 51;
- R. das Janelas Verdes, 70-78;
- R. Saraiva de Carvalho 242;
- R. dos Sapateiros, 225 (Animatógrafo do Rossio).
Apesar dos roubos e das frequentes demolições, muitos dos azulejos Arte Nova em Lisboa persistem ainda nalgumas centenas de edifícios e podem ser admirados por todos nós. Basta estar atento.
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A getLISBON sugere a leitura do artigo A Arte e o Design nos Quiosques WC de Lisboa, onde falamos dos quatro exemplares existentes e dos azulejos Arte Nova nas fachadas de cada um deles.
António José de Barros Veloso, médico internista. “Doutor Honoris Causa” pela NOVA-Medical School. Condecorado com a Medalha de Mérito da Ordem dos Médicos e com a Medalha de Ouro de Serviços Distintos do Ministério da Saúde. Em 2017 foi-lhe atribuído o Prémio Nacional de Medicina Interna.
Isabel Almasqué, médica oftalmologista. Co-fundadora e colaboradora regular do site DE OUTRA MANEIRA.
Realizaram o Inventário da azulejaria de fachada em Lisboa (realizado por encomenda da C.M.L. em 1988-89) e publicaram vários livros na área da azulejaria, pelos quais receberam vários prémios municipais:
- Azulejos de fachada em Lisboa – Edição da Câmara Municipal de Lisboa, 1988
- Azulejaria de Exterior em Portugal – Edições Inapa, Lisboa,1991.
- Hospitais Civis de Lisboa – História e Azulejos – Edições Inapa, Lisboa, 1996.
- O Azulejo Português e a Arte Nova – Edições Inapa, Lisboa, 2000.
Foram curadores da exposição “ A Arte Nova nos Azulejos em Portugal”. Aveiro, 2011