Igreja do Loreto, a “Igreja dos Italianos” no Coração de Lisboa

A “Igreja dos Italianos” no Coração de Lisboa

É para nós um privilégio contar, nesta nossa rubrica, com a participação da historiadora italiana radicada em Portugal, Nunziatella Alessandrini. Neste artigo é abordada a Igreja de Nossa Senhora do Loreto, “Igreja dos Italianos”, a sua fundação no séc. XVI por mercadores italianos, a sua localização, as catástrofes, as reconstruções… episódios da sua e da nossa história! 

A Igreja de Nossa Senhora do Loreto, “Igreja dos Italianos”, é uma maravilhosa testemunha da passagem de italianos na capital portuguesa desde o início do século XVI.

Situado em pleno Chiado, a escassos metros do Café A Brasileira, prosseguindo pela Rua da Misericórdia, o monumento tornou-se, desde a sua edificação, pólo aglutinador da comunidade italiana em Lisboa, criando uma união entre italianos oriundos das várias cidades-estado da península itálica.

Pela primeira vez, os mercadores Italianos, oriundos duma terra fragmentada, determinam a sua pertença à uma “Natione Italiana”, antecipando aquela unidade que teria acontecido mais de três séculos depois, em 1861.

Interior da Igreja de Nossa Senhora do Loreto (“Igreja dos Italianos”)

Mercadores Italianos em Lisboa no Início do Século XVI

A abertura do caminho marítimo para a Índia trouxe para a capital portuguesa um número significativo de mercadores estrangeiros que queriam aproveitar do novo comércio com o Oriente que se previa proveitoso.

Os mercadores italianos participaram activamente na armação de navios que, por volta dos meses de Março-Abril deixavam o porto de Lisboa rumo à Índia Oriental.  Recordamos, entre outras, as famílias florentinas Marchionni, Sernigi, Giraldi, a família cremonesa dos Affaitati, aportuguesado em Lafetà, os genoveses Lomellini, Centurione e Spinola.

A intensa e cada vez mais crescente intervenção de homens de negócio italianos na economia portuguesa fez com que esta comunidade de estrangeiros tomasse consciência da sua importância e, apesar da diversidade de proveniência – temos que considerar a estrutura política da Península Italiana dividida em cidades-estado – da condição social, da profissão ou de distintas sensibilidades políticas, sentia-se a urgência de se reunir à volta duma igreja própria, de constituir uma confraria que dependesse directamente da Santa Sé de Roma, substituindo a devoção a Santo António pela devoção à Virgem do Loreto cujo culto, já antigo em Itália mas novo em Portugal, atingiu nesta altura, uma forte intensidade.

Repara-se que, fora da Península Italiana, os italianos estabelecidos em Lisboa sentiam-se parte dum mesmo grupo, embora ainda apelidados por genoveses, milaneses, prazentinos, florentinos, etc. É nesse sentimento de pertença a uma mesma Nação que podemos individuar as razões que levaram os comerciantes italianos à decisão de edificar um templo italiano que fosse pólo aglutinator da Natione Italiana, e que desenvolvesse funções temporais e espirituais.

A Construção da Igreja de Nossa Senhora do Loreto

Foi assim que os mercadores italianos decidiram comprar um terreno na freguesia dos Mártires e o ofereceram à Igreja de S. Giovanni in Laterano “donatione perpetua et irrevocabili”, solicitando ao Sumo Pontífice, na altura Leão X, a autorização para construir uma igreja e para receberem protecção e privilégios derivados da sua agregação ao Capitolo Lateranense, pagando anualmente um foro “di mezza libbra di Cera Bianca lavorata”

O pedido feito ao Papa Leone X teve parecer positivo, embora a morte do pontífice, ocorrida a 20 de Abril de 1518, não lhe tenha permitido conceder de sua própria mão os ditos privilégios. Estes, porém, foram confirmados e conferidos pelo seu sucessor Clemente VII com uma primeira bula de 1521, logo seguida por outra de 1523 com que concedeu a sua aprovação e “prese sotto la sua prottezione e dipendenza la Chiesa sud.ª costituendola per parochia di tutti l’Italiani dimoranti in Lisbona (…), permitindo que fosse construída “ (…) torre com sinos, semeterio, Pia Baptismal, e tudo o mais que se costuma conceder as Igrejas parochiaes”. 

O terreno em que a igreja foi edificada, “ (…) estava o tal chão entre o muro da cidade e a barreira, salendo das portas de S. Catherina para aquelas do Norte, desde a primeira torre que está acerca da dita Porta, athe a segunda, que está a par das cazas, onde fazem as bombardas, em o qual há de longo ao longo o dito muro vinte, e sete braças e meia de craveira; e de largo desde o dito muro athe ao muro da Barbacam, três braças e meya de craveira esforçada”.

A primeira torre era aquela que estava diante da porta principal e que bloqueava uma desejada ampliação da igreja, facto este que levou os confrades a pedir licença ao rei D. João III para a derrubar. A licença foi recusada e só mais tarde, com alvará régio de 10 de Julho de 1573 emitido pelo rei D. Sebastião, é que os italianos irão conseguir realizar tal pretensão.

Os “Homens de Negócio Italianos” e a Igreja do Loreto 

A edificação da Igreja do Loreto foi sustentada pelos homens de negócio Italianos que se auto-taxavam para que as obras fossem para a frente com um quarto de ducado cada cem ducados que ganhavam. Mesmo assim, os custos das obras eram elevados e, por isso, prosseguiam devagar ao ponto que, em 1551, a capela-mor ainda não estava acabada devido à falta de verbas. Foi necessária a intervenção do rico mercador florentino Luca Giraldi que, a 2 de Março de 1551 estipulou um contrato, em presença do provedor, mordomo e mais confrades, oferecendo três mil cruzados em troca da propriedade da capela-mor.

Ao longo dos séculos, o templo dos Italianos sofreu acidentes importantes, nomeadamente o incêndio de 1651 e o terramoto de 1755.

No incêndio de 1651, que durou 45 minutos, foi destruído “tudo o que avia na ditta Igreja e tezouro”, documentos do arquivo, pinturas do Tiziano, pratas, brocados e o tecto fabricado pelo arquitecto Filippo Terzi. A Igreja foi reconstruída com a intervenção do dinheiro dos mercadores italianos que, duas semanas após o incêndio, se reuniram e recolheram 6.000.000 de reis.

O segundo incêndio que danificou fortemente a Igreja do Loreto foi o que seguiu ao terramoto de 1 de Novembro de 1755: salvaram-se os santos óleos, a imagem de Nossa Senhora do Loreto no altar mor, a relíquia de S. Justino Mártir que se encontrava debaixo do altar, a sacristia e o arquivo. No exterior, o brasão de São João em Latrão que se encontra acima do portão principal ficou ileso.

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A Construção da Nova Igreja dos Italianos

A seguir ao terramoto de 1755, os italianos em Lisboa encontravam-se numa situação económica bastante difícil, sendo impossível começar logo as obras de reconstrução do templo. Assim, decidiu-se que a sacristia se teria tornado na “nova pequena igreja”. A abertura oficial ao culto ocorreu a 5 de Junho de 1756 e, entretanto, a comunidade italiana estava a organizar-se para a reconstrução da igreja. O projecto das obras devia, no entanto, ter a aprovação da autoridade competente que chegou a 18 de Novembro de 1776.

A igreja foi reconstruída com a participação de artistas italianos e portugueses, voltando à antiga beleza, apesar da dificuldade de substituir peças vindas de Itália e destruídas pelo fogo, como foi o caso das estátuas dos Apóstolos cuja falta foi suprida pelas telas que actualmente lá se encontram. Ao entrarmos na Igreja do Loreto, os olhos são capturados para a esplêndida pintura de Pedro Alexandrino de Carvalho que, desde 1780, decora o tecto da igreja, representando a traslação da Santa Casa de Nazareth por obras dos anjos. O culto da Nossa Senhora do Loreto esteve na base da edificação da Igreja dos Italianos que, até a unificação de Itália, manteve forte e harmoniosa a união entre os italianos súbditos dos diferentes estados da península italiana.

Nunziatella Alessandrini é investigadora no CHAM (Centro de Humanidades) da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. A sua pesquisa centra-se no estudo das relações entre Itália e Portugal na Época Moderna.
É organizadora de 12 ciclos de conferências luso-italianas e autora de mais de 50 artigos e 9 volumes em co-autoria sobre as relações luso-italianas. 
Foi coordenadora do projecto de reabilitação do arquivo histórico da Igreja do Loreto financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian (2014-2015) e coordenadora do projecto de investigação financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian Marcas de água do acervo documental da Igreja de Nossa Senhora do Loreto, em Lisboa: séculos XVI e XVII. 
É Membro Associado na Classe de História Marítima da Academia de Marinha de Lisboa. 
É directora do Arquivo Histórico da Igreja de Nossa Senhora do Loreto de Lisboa. 
Pelo trabalho no âmbito das relações entre Itália e Portugal recebeu, em 2022, a condecoração de Ufficiale della Stella D’Italia pelo Presidente da República Italiana.

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