Entrada do Museu do Centro Científico e Cultural de Macau em Lisboa

Museu do Centro Científico e Cultural de Macau

Dando continuidade ao diálogo intercultural entre o Oriente e o Ocidente, getLISBON convida partilha o segundo artigo de Ana Cristina Alves. Desta vez a autora apresenta-nos o interessante Museu do Centro Científico e Cultural de Macau e duas das suas relevantes peças: uma garrafa de porcelana e uma estatueta de madeira…

O Museu do Centro Científico e Cultural de Macau é constituído por dois núcleos distintos e complementares. No piso térreo, encontra-se o núcleo sobre A Condição Histórico-Cultural de Macau nos Séculos XVI e XVII, e no piso superior, o da Coleção de Arte Chinesa.

Possui mais de 3.500 peças divididas por diversas tipologias, entre as quais estatuária, trajes e peças de caráter utilitário e decorativo, e por diversos materiais, como terracota, têxteis e porcelana. 

No rés-do-chão, a visita realiza-se em diálogo cultural com a história do Porto de Macau, ou não estivéssemos no Museu de Macau em Lisboa, que se assumiu desde a sua criação como uma montra privilegiada da plataforma de confluências civilizacionais, que foi a cidade de Macau, aos mais diversos níveis culturais em sentido abrangente. Estes incluem naturalmente as ciências, como a cartografia e a náutica ou a emergente tecnologia dos tempos renascentistas, transportadas pelos portugueses para o Sul da China.

Sugerimos a leitura do artigo, também de Ana Cristina Alves, sobre O Nome de Macau que nasceu em estreita associação com a geografia física para uns ou com o domínio espiritual para outros.

No primeiro piso, deparamos com a Coleção de Arte Chinesa, que nos relata 5000 anos de história e de arte, que têm como ponto de partida as primeiras cerâmicas Neolíticas, culminando nos marfins do século XIX.

Somos levados a uma viagem no tempo através de terracotas, bronzes, grés, porcelanas azul e branco, família verde, família rosa, brasonada e monogramada, porcelana de simbologia religiosa, cerâmica de Shek Wan, e até a um conturbado período das relações entre a China e o Ocidente, recordado numa coleção de objetos para o fumo do ópio.

Ao que se seguem relações mais amistosas representadas em China trade, lacas, pintura de Escola Chinesa e Escola Europeia, nas quais paisagens, como as da Baía da Praia Grande ocupam o primeiro plano, e, ainda, podemos contemplar outros objetos de arte, por exemplo, leques, pratas, trajes, além de uma importante coleção de numismática.

O colecionador António Sapage muito contribuiu para a coleção de arte chinesa do Museu do Centro Científico e Cultural de Macau, especialmente para as suas porcelanas.

O Museu tem à disposição visitas de estudo para o grande público, de terças a sextas feiras, entre as 10h e as 17h, tanto de carácter generalista como especializado, particularmente nos domínios da história, filosofia, arte e religião.

Além disso, dispõe de uma oferta de oficinas de introdução à língua, como “É em Chinês que a gente se entende”, ou mais vocacionadas para a cultura, por exemplo, “A China em 60 minutos”, “A China em Caracteres” e “Histórias Chinesas com Pensamento”. Oferece, ainda, um curso de língua e cultura chinesa, coordenado e lecionado pelos professores Lu Yanbin, Lu Yang e Wang Suoying, constituído por seis módulos.

Duas Peças do Museu do Centro Científico e Cultural de Macau

A Garrafa Dita de Jorge Álvares

Garrafa dita de Jorge Álvares

Garrafa dita de Jorge Álvares
Porcelana branca decorada a azul cobalto sob o vidrado
CCCM, Lisboa, Inv. 257 DEP

De acordo com dados da historiografia contemporânea, Jorge Álvares que deu o nome às garrafas que constam hoje em importantes museus de Inglaterra e Portugal é um aventureiro e comerciante. Este não pode ser confundido com o feitor que em 1513 saiu de Malaca para aportar à ilha de Tamão na China, sendo o primeiro português a pisar solo chinês. 

Jorge Álvares foi um mercador abastado de Freixo de Espada à Cinta, que teve como sócio Fernão de Mendes Pinto (1509-1583), o grande aventureiro, também ele mercador. Eles partilhavam o comércio sino-luso-nipónico e as suas principais mercadorias: as especiarias, a seda e a porcelana chinesas, bem como a prata japonesa.

Esta garrafa de Jorge Álvares, em depósito no Museu, pertence à Fundação Jorge Álvares. É de porcelana da família Azul e Branco, produzida em Jindezhen (金德镇/鎮Jīndézhèn), na província de Jiangxi (江西Jiāngxī) no reinado do imperador Jiajing [嘉靖 Jiājìng (1522-1566)] da dinastia Ming(明Míng).

Pela inscrição ficamos a saber a data exata da peça: Isto mandou fazer Jorge Alvrz na era de 1522 reina. O comerciante, que pertence aos grupos dos pioneiros portugueses a aventurarem-se no negócio da porcelana, legou-nos, além de um conjunto de magníficas garrafas, a primeira obra sobre assuntos japoneses datada de 1547: Informação das Coisas do Japão

Quanto aos motivos que decoram a garrafa não podiam ser mais belos, já que observamos uma espécie de unicórnio ou Qilin(麒麟Qílín), animal mitológico, cujo aparecimento costuma preceder o surgimento de grandes sábios ou heróis santificados e, por isso, só muito raramente desce à terra. Fê-lo, por exemplo, aquando do nascimento de Confúcio [孔夫子Kǒnfūzĭ (551-479 BC)], o maior pedagogo da China, que atualmente continua a ser homenageado nos vários institutos com o seu nome, os Institutos Confúcio, espalhados pelo mundo.

Além do mais, são os valores morais da filosofia proclamada pelo sábio que servem de base ao Socialismo Espiritual, desenvolvido a partir dos tempos da Reforma e Abertura, inaugurados por Deng Xiaoping (鄧小平Dèng Xiǎopíng), o líder que sucedeu a Mao Zedong (毛泽东 Máo Zédōng) na China.

É este tipo de Qílín (麒麟) que nos aparece então na garrafa de Jorge Álvares a passear por entre pinheiros, simbolizando a retidão, e bambus, representativos da flexibilidade e do vazio interiores. O unicórnio marca um novo tempo, o da santidade e da retidão, proporcionado pelo seu aparecimento.

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A Estatueta de Confúcio

Estatueta de Confúcio

Estatueta de Confúcio
Madeira policromada e dourada
Macau, dinastia Qing (1644-1911), finais do século XIXCCCM, Lisboa Inv 3291.

Esta é a estatueta de Confúcio (孔夫子像kǒnfūzǐ xiàng), pai do Confucionismo (儒教Rújiào) e o mais importante pedagogo da história chinesa. Nasceu no estado de Lu, na província de Shandong (山东Shāndōng) em 551 a.C e morreu em 479 a.C.

A este educador se fica a dever a tradição das lições privadas. Além disso, tentou influenciar os grandes senhores da época com a sua filosofia de cariz sociopolítico. Mas em vão. Ninguém queria trocar os prazeres desta vida por os de uma austera, dedicada ao estudo e ao saber, nem mesmo o governante do estado de Lu, onde o Mestre Confúcio chegou a ser primeiro-ministro por curto período.

Defendia uma escala de valores morais na qual distinguia Ren (仁Rén), ideia que tanto pode ser traduzida por “benevolência” como por “humanidade”. Foi o primeiro grande defensor de uma administração burocratizada, liderada por homens que se destacavam pelo saber e erudição, não por laços hereditários que comandavam a ascensão política da nobreza tradicional. Pelo facto de ter defendido um racionalismo burocrático, são-lhe atribuídas tendências democráticas avant la lettre.

O seu nascimento e morte são simbolizados, como já sabemos, por um unicórnio (qílín 麒麟), talvez pelo facto de este animal mitológico encarnar a bondade e estar ligado à família. Dizem na China que o seu aparecimento é sinal de prolífica descendência e, por isso, surge montado por um jovem com uma flor de lótus na mão. Como simboliza, ainda, o Bem, surge apenas quando a terra é governada com bondade, como sucedeu durante os tempos de Confúcio, já que a atuação política e, sobretudo, pedagógica do Mestre Confúcio teria possibilitado a criação de uma escola de estadistas com elevado sentido moral.

Confúcio, o fundador da filosofia confucionista, será mais tarde adorado como um deus, o que o torna o progenitor da religião confucionista. Depois de Confúcio morrer, ergueram-lhe um templo com um altar em tudo semelhante ao utilizado no culto dos antepassados. O culto manteve-se na família e entre os seus discípulos por muito tempo.

Em 195 a.C, durante a dinastia Han (206 a.C – 8 d.C) foi reconhecido e adorado pelo imperador Gaozu (高祖Gāozǔ), o fundador da Dinastia Han do Oeste (汉西Hànxī). Em 37 d.C, a família do Mestre foi enobrecida. Em 59 d.C, durante o reinado do imperador Han Mingdi (汉明帝Hàn Míngdì) seria decretado o seu culto oficial em todas as escolas chinesas, que datavam apenas do ano anterior.


Para obter mais informações sobre o Museu e o CCCM consulte o website.

getLISBON sugere a leitura do artigo 7 Sinais de Macau em Lisboa, onde pode saber mais sobre esta cidade historicamente ligada a Portugal.

Ana Cristina Ferreira de Almeida Rodrigues Alves é doutora em Filosofia da História, da Cultura e da Religião pela Universidade de Lisboa desde 2005.
Coordena o Setor Educativo e a área de tradução Chinês/Português no Centro Científico e Cultural de Macau. Colabora, ainda, com o Instituto de Cultura e Língua Portuguesa da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
Tem trabalhos publicados sobre contos e mitos relativos à cultura chinesa, ensaios sobre a filosofia chinesa e material pedagógico relativo à tradução Chinês-Português.
Em 2021 ganhou o Prémio A-Má, atribuído pela Fundação Casa de Macau, com o conto “Delírios de A-Má”.

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