Actualizado em 23/10/2024
Artigo original publicado em 03/04/2019
Hoje trazemos-lhe um antigo conceito de casa de banho pública, os quiosques WC de Lisboa. Trata-se de verdadeiras peças de design com valor artístico que importa preservar.
Já tivemos oportunidade de lhe falar dos antigos urinóis públicos que esta cidade ainda conserva. Mas este artigo é sobre um outro equipamento do início do séc. XX de que subsistem quatro exemplares.
Vamos ainda revelar-lhe a localização de outro quiosque, já demolido, que conseguimos identificar através de fotografias antigas.
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Um Projecto Inovador
Os quiosques WC de Lisboa são uns curiosos pavilhões de tijolo que podemos encontrar em quatro jardins públicos. Todos têm programas azulejares que merecem destaque, mas vamos primeiro perceber que equipamento urbano é este.
Corria o ano de 1913 quando o arquitecto José Alexandre Soares apresentou à Câmara Municipal de Lisboa um projecto de quiosques pavilhões-retretes para senhoras. Estes destinavam-se a ser implantados em praças e jardins públicos e incluíam anexos para a venda de flores e jornais.
A proposta do projecto refere expressamente que as soluções encontradas, a nível dos materiais, têm em conta preocupações económicas e de adaptação ao clima. Destacamos que apesar destas preocupações, o projecto não descura a estética e a decoração artística.
O modelo adoptado, tal como nos coretos de Lisboa, segue a linha do Kiosco de origem persa muito ao gosto da passagem do séc. XIX para o séc. XX. Modelo este que consiste num pavilhão coberto, geralmente de paredes vazadas, que era vulgar à época nos jardins, destinado a descanso ou abrigo.
Mas enquanto os coretos utilizam a inovadora arquitectura do ferro, aqui opta-se por uma estrutura de alvenaria com materiais tradicionais como a madeira e o tijolo burro ou vulgar.
Os pavilhões apresentam planta quadrada e dois níveis de cobertura que remetem para a estética oriental. Cada fachada tem uma porta de acesso ao interior que alterna com um balcão. A ladear essas aberturas existe um espaço reservado a painéis de azulejo que importa conhecer.
Os 4 Quiosques WC de Lisboa
Não temos conhecimento de quantos destes quiosques WC foram construídos, mas podemos mostrar-lhe os quatro que se preservam, renovados ou com novas funcionalidades.
Benfica – Parque Silva Porto
Situado logo à entrada do Parque Silva Porto, vulgarmente conhecido por Mata de Benfica, encontramos o primeiro dos quiosques WC de Lisboa. Este apresenta oito magníficos painéis de azulejos de 3×5, assinados e datados de 1915.
Estamos perante um programa azulejar do pintor José António Jorge Pinto, artista que se notabilizou pelas suas composições em estilo Arte Nova. Os desenhos figurativos naturalistas, de linhas sinuosas e ritmos ondulantes características deste estilo, surpreendem pela riqueza cromática e pela sensualidade dos temas.
Personificações da Fonte, do Bosque e da Caça convivem com a expressão Bem me Quer, Mal me Quer, Muito, Pouco, Nada.
Ideias de frescura, verde, conquista e enamoramento, são coerentes com a vivência de passeio e fruição da natureza da mata.
Cais do Sodré – Jardim Roque Gameiro
O segundo dos quiosques WC de Lisboa situa-se no Cais do Sodré. Pertence à Carris e tem hoje para além da função de casa de banho para uso exclusivo dos seus motoristas, a de quiosque de venda de títulos de transporte.
Aquando da primeira publicação deste artigo em Abril de 2019 no que respeita aos painéis azulejares ali presentes referimos o seguinte:
“Apresenta apenas seis painéis de azulejos, sendo que dois deles apresentam muitas lacunas.
Do mesmo autor dos anteriores, estes estão igualmente assinados e datados, desta feita de 1916.
Mais uma vez, o tema das imagens representadas relaciona-se com o ambiente envolvente, neste caso, a proximidade do rio Tejo.
As personificações Areia, Mar, Rochedo, Búzio, Gaivota e Onda são apresentadas em composições com as características das anteriores. Pinceladas largas, linhas sinuosas e cores vibrantes surpreendem-nos e fazem lamentar as lacunas existentes e a total ausência de dois painéis que com certeza terão existido no passado.”
Hoje podemos acrescentar que os azulejos terão sido produzidos na fábrica de Campolide fundada em 1896.
Com a consciência que se trata de um “conjunto azulejar singular pela temática e técnica de um autor conceituado na azulejaria do movimento Arte Nova, [que] expressa elevado valor patrimonial no universo do património azulejar existente na cidade de Lisboa” e perante o avançado estado de degradação atingido, a Carris decidiu proceder ao restauro dos mesmos.
Assim, e após ter procurado de forma infrutífera informação sobre os painéis em falta, foram entregues à ceramista Helena Castela a pintura e criação de dois novos painéis, O Vento e O Polvo. Por outro lado a mesma artista procedeu ao preenchimento das lacunas, algumas de dimensão considerável, tendo dado especial atenção à particularidade da cor original e ao traço de Jorge Pinto a fim de conseguir uma unidade de estilo o mais aproximada possível.No nosso entender, ao optar por este tipo de restauro incorre-se em diversos riscos como fizemos saber em Uma Reflexão sobre Restauro e Reconstrução do Património Artístico, mas é de louvar a tentativa de preservação deste património.
Gostaríamos contudo de sugerir à Carris que fosse disponibilizado, em local visível, um painel informativo contando um pouco da história deste equipamento, salientando a intervenção realizada em 2023, o que é trabalho original e o que é moderno, para que quem passa possa fruir com plena consciência aquilo que observa.
Arroios – Jardim Constantino
O pavilhão do Jardim Constantino apresenta oito painéis de azulejos que não têm assinatura nem data e cuja composição difere dos anteriores quiosques WC de Lisboa.
Desta vez o autor, que julgamos ser o mesmo, optou por uma configuração tipo moldura, a azul e amarelo, igual para todos os painéis, mas com diferentes motivos centrais.
Em quatro dos painéis estão retratadas mulheres de diferentes idades, cujos desenhos de traços suaves nos remetem para uma certa sofisticação, que talvez o jardim de bairro, à época moderno, impunha.
Os outros quatro painéis apresentam dois desenhos que se repetem. Num observa-se uma pilha de livros, jornais e tabaco e no outro, garrafas e copos, o que indicia a presença de um ponto de venda destes produtos.
Hoje mantém a sua função original.
Jardim do Poço do Bispo
O último quiosque WC de Lisboa de que lhe queremos falar situa-se no jardim da Praça David Leandro da Silva, no Poço do Bispo e tem uma particularidade curiosa.
As fotografias mais antigas deste equipamento apresentam os espaços destinados aos painéis vazios, o que nos leva a crer que talvez nunca tenham sido feitos azulejos específicos para esta construção.
À data da sua edificação esta zona oriental de Lisboa era fortemente industrializada e o facto do público a que se destinava este equipamento ser o operariado, não é de estranhar que a economia tenha ditado a sua ausência.
Devemos lamentar esta opção, uma vez que, estando o espaço envolvente particularmente comprometido com a temática e expressão dos painéis elaborados pelo pintor José António Jorge Pinto, podemos imaginar que este, inspirado pelos trabalhos relacionados com as fábricas e a faina do rio, teria certamente concebido belos painéis.
Hoje o espaço encontra-se preenchido com produções datadas de 1992 que reproduzem alguns dos do Jardim Constantino, contudo sem a qualidade dos originais.
Mantém igualmente as funções para que foi concebido.
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Jardim do Príncipe Real, Um Exemplar Já Desaparecido
Através de duas fotografias antigas pudemos identificar um quinto quiosque WC, infelizmente já demolido. Situava-se no Jardim do Príncipe Real e, tal como os anteriores, apresentava painéis de azulejos.
As imagens a preto e branco não nos deixam apreciar as cores, mas os desenhos são aparentemente do mesmo artista e aproximam-se, em estilo, aos do Jardim Constantino, o que reforça a ideia das composições estarem relacionadas com o espaço envolvente.
Num dos painéis podemos observar um ardina que vende jornais e noutro um marinheiro que acende um cigarro. A ideia sugerida nos desenhos é reforçada num letreiro que anuncia tabacos e jornais em letras Arte Nova.
A fotografia da fachada oposta não nos permite ver com clareza os painéis, mas adivinhamos uma paisagem entre molduras idênticas às anteriores.
Desconhecemos o ano da demolição, apenas a podemos lamentar. Terão os azulejos sido salvos?… Gostaríamos de pensar que sim!
Após esta leitura quando passar por um destes quiosques WC de Lisboa certamente não se irá esquecer de apreciar estas bonitas peças de arte e design, testemunhos de um tempo em que a funcionalidade, a estética e a arte faziam parte de um todo.
É desejável que se mantenham preservadas por muito tempo.
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