Artigo original publicado em 11/03/2020
Situado numa das mais belas praças do mundo, o Arco do Triunfo da Praça do Comércio, ou vulgarmente chamado Arco da Rua Augusta, é a monumental porta que liga Lisboa ao Tejo.
A construção deste Arco do Triunfo, emblemático remate do conjunto arquitectónico que constitui o outrora Terreiro do Paço, foi um processo lento e não isento de controvérsia.
Suportado por grandiosas colunas é encimado por um conjunto escultórico carregado de simbolismo.
Hoje é uma das atracções turísticas da cidade, visita obrigatória para nacionais e estrangeiros, que ali se deslumbram com uma vista de 360 graus sobre o rio e a Baixa Pombalina.
A Nova Praça do Comércio
Após o devastador terramoto de 1755, houve a necessidade de reconstruir toda a zona baixa da cidade. Foi então constituída uma equipa de engenheiros e arquitectos, dirigida pelo ministro Marquês de Pombal, que sob as regras do Iluminismo Reformista criou uma nova cidade moderna, racional, num estilo clássico e sóbrio, o Estilo Pombalino.
A monumental Praça do Comércio foi construída sobre o antigo Terreiro do Paço. O palácio real que ali existia desde o séc. XVI e que havia ruído, encontrou apenas substituto simbólico na estátua equestre do rei D. José I.
A praça constituída por edifícios marcados por arcadas apresenta uma simetria perfeita rematada a nascente e poente por dois torreões, a frente sul aberta ao rio e a norte à nova cidade. A meio desta, esteve desde o primeiro momento projectado o Arco do Triunfo da Praça do Comércio, a entrada nobre de Lisboa.
O Arco do Triunfo da Praça do Comércio – Um Processo Lento
O primeiro projecto, de linhas clássicas, foi aprovado em 1758 e era da autoria de Eugénio dos Santos. Consistia num arco de volta perfeita ladeada por nichos com estátuas, e frontão triangular simples, coroado por um conjunto escultórico.
Em 1762 este arquitecto morre e é substituído por Carlos Mardel que irá apresentar uma nova proposta. Este, mais ligado a um modelo barroco, substitui o remate do frontão por uma alta torre sineira com relógio, adornada com pináculos e fogaréus.
Tal como o anterior, este projecto ficou a aguardar execução, uma vez que os recursos económicos do reino foram sendo destinados a obras mais prementes.
Com o passar do tempo o contexto político e o gosto foram alterando e surgiram novas ideias que foram provocando uma discussão acesa que animava os lisboetas.
Assim, a execução do Arco do Triunfo da Praça do Comércio foi sendo sucessivamente adiada, primeiro pelo afastamento do governo do Marquês de Pombal em 1777, depois pela instabilidade política e económica resultante da guerra civil que marcou as primeiras décadas de oitocentos.
Contudo, em 1815 as colunas de suporte foram edificadas, mas só em 1873 foi finalmente inaugurado o monumento da autoria de Veríssimo José da Costa, uma solução que aproveita o melhor das duas primeiras propostas.
De Eugénio dos Santos os conjuntos escultóricos, as linhas clássicas e proporções mais equilibradas; de Carlos Mardel o relógio, aqui presente na face virada a norte em contraponto ao escudo real na face sul, e um gosto barroco patente na decoração rococó que os rodeia.
Veríssimo José da Costa aproveita a base já construída mas dispensa o frontão triangular comum aos projectos pioneiros, substituindo-o por um corpo rectangular que corresponde a um grande salão que alberga o mecanismo do relógio e de onde através de duas grandes janelas laterais se alcança uma vista soberba.
As Esculturas do Arco do Triunfo da Praça do Comércio
As esculturas presentes no Arco do Triunfo da Praça do Comércio resultam de um programa iconográfico da autoria do francês Célestin Anatole Calmels (1822-1906). Este artista realizou, entre outras, obras emblemáticas como as Alegorias que ladeiam o portal do Palácio Palmela e o grupo escultórico do frontão da Câmara Municipal de Lisboa.
As intervenções presentes na face sul, ao nível do primeiro registo foram executadas pelo escultor romântico português Victor Bastos (1830-1894), autor entre outras peças, do monumento de homenagem ao poeta Luís de Camões situado na Praça com o mesmo nome.
As Estátuas do Primeiro Registo
Trata-se das colossais alegorias dos rios Tejo (lado poente) e Douro (lado nascente) que ladeiam o corpo do edifício, e dois pares de estátuas que representam quatro figuras proeminentes da História de Portugal.
Se nas representações dos mesmos rios presentes nas esculturas da Avenida da Liberdade pode haver dúvidas sobre a identidade de cada uma das figuras, aqui parece ser clara a sua identificação. A estátua do lado nascente tem como atributo um cacho de uvas que nos remete imediatamente para o rio vinhateiro, Região Demarcada do Douro, assim instituída em 1756 durante o governo de Pombal. Do outro lado o Tejo parece já ter tido um atributo na mão mas, o que quer que fosse, encontra-se partido.
No que respeita às estátuas encontramos da esquerda para a direita: do lado poente, Viriato (181 a.C.-139 a.C.), o mítico comandante dos Lusitanos, seguido de Vasco da Gama (1469-1524), o navegador e explorador que descobriu o caminho marítimo que liga a Europa ao Oriente.
Do lado nascente e no mesmo sentido, tem lugar o Marquês de Pombal (1699-1782), grande responsável pelo desenvolvimento do país e pela reconstrução da capital, figura que certamente não teria aqui lugar se o arco não tivesse sido construído tão tardiamente. Segue-se o Condestável e Beato Nuno Álvares Pereira (1360-1431), personagem igualmente incontornável da História de Portugal e de Lisboa, fundador do Convento do Carmo.
Quatro personalidades de épocas e qualidades distintas mas certamente relacionadas com as alegorias que encimam o arco, o Valor e o Génio coroados pela Glória.
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O Conjunto Escultórico que Encima o Arco
Este último grupo escultórico de pedra apresenta-nos três figuras, uma central de pé que representa a Glória que coroa com louros de bronze duas figuras sentadas que a ladeiam. Por baixo a inscrição: “VIRTVTIBVS MAIORUM VT SIT OMNIBVS DOCMENTO. P.(ECVNIA) P.(VBLICA) D.(ATVM)” ou seja: “À virtude dos Maiores, para que sirva a todos de ensinamento. Dedicado a expensas públicas.”
Do lado poente a figura feminina da Deusa Minerva tem como atributos a espada e o elmo emplumado, a seu lado submisso repousa um leão. Dos dois lados do elmo estão representados dois pequenos dragões alados que nos lembram o símbolo da dinastia de Avis.
A deusa romana Minerva associada à grega Atena é a deusa da sabedoria, do conhecimento, da estratégia militar, patrona do trabalho manual aqui ligada ao Valor.
O Génio está aqui representado, do lado nascente, pelo deus Apolo que apresenta livros e uma lira como atributos. Neste caso a figura do jovem imberbe está provida de asas, aspecto que o liga à figura cristã do Arcanjo São Miguel.
Sob uma das suas asas encontra-se ainda presente a discreta figura de um filósofo, de pequenas dimensões, que nos remete, hipoteticamente, para Virgílio, o escritor romano do séc. I a.C., que defendeu que na sequência das Idades do Mundo a última seria regida por Apolo.
A simbologia do Arco do Triunfo da Praça do Comércio, da Estátua Equestre do Rei D. José I, do Cais das Colunas e da própria dimensão e proporção da Praça e dos edifícios que a constituem como um todo, têm sido alvo de interpretações que tendem a valorizar o seu carácter maçónico e esotérico. Deixamos essas reflexões para os especialistas.
Resta-nos apelar à visita ao Arco do Triunfo da Praça do Comércio que se encontra aberto ao público desde 2013. Com entrada pela Rua Augusta, através de um elevador e depois de uma escada mais fácil de subir do que aparenta, tem acesso a um terraço onde se pode deslumbrar com a emocionante vista.
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