A Torre do Tombo foi concebida para a instalação do Arquivo Nacional. É deste magnífico templo guardado por gárgulas que conjuga de forma exemplar as funções prática e simbólica que lhe vamos falar.
Importante também é conhecer a história e o espólio desta instituição que tem como missão a preservação de uma parte importante da memória individual e colectiva de Portugal e do Mundo. Foi o que procurámos fazer em O Arquivo Nacional da Torre do Tombo que desde já o convidamos a re/ler.
Vamos então revelar-lhe aspectos importantes e peculiares da concepção desta importante obra da cidade das Sete Colinas que vai gostar de conhecer.
O Edifício da Torre do Tombo
O Arquitecto Arsénio Cordeiro
Quando nos anos 80 do séc. XX se lançou concurso para construir de raiz um edifício destinado a conservar e proteger tão valioso espólio, talvez não se adivinhasse que a cidade viria a ganhar uma obra arquitectónica igualmente relevante.
O concurso foi ganho pelo projecto do arquitecto Arsénio Cordeiro (1940-2013) em colaboração com o arquitecto António Barreiros Ferreira.
Diplomado pela ESBAL – Escola Superior das Belas-Artes de Lisboa em 1967, com diversos projectos de colaboração e de autoria realizados ao longo dos anos 60 e 70, este arquitecto ganhou particular destaque durante a década de 80.
Para além da Torre do Tombo, foi também vencedor em 1985 do concurso público da monumental sede da Caixa Geral de Depósitos no Campo Pequeno.
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A Torre do Tombo, um Edifício de Excelência
A Torre do Tombo, inaugurada em 1990, situada na Cidade Universitária dispõe de uma área de cerca de 55 000 m2, distribuídos por sete pisos.
O edifício está dividido em três zonas principais: arquivo e investigação; serviços administrativos e espaço para divulgação como salas de leitura, auditório e sala de exposições.
Conta actualmente com cerca de 150 km lineares de prateleiras destinadas ao depósito documental e está prevista uma solução de ampliação de todas as instalações em caso de necessidade.
Também em caso de calamidade o edifício está preparado para abater sobre si próprio, conservando sob os escombros o seu património o mais protegido possível, à imagem do que aconteceu no terramoto de 1755.
Templo da Memória
Mas a Torre do Tombo não é apenas um edifício moderno e eficiente; a sua estética é composta por elementos simbólicos.
Este edifício grandioso, de formas simples, é constituído por dois paralelepípedos unidos por um corpo central.
Esta configuração que lembra os pilones dos pórticos dos antigos templos egípcios convive com a base em rampa de uma pirâmide. Ambas as tipologias nos lembram as imponentes construções produzidas para a eternidade do Antigo Egipto.
Nenhuma outra estética poderia ser mais adequada a um edifício destinado a albergar um arquivo da memória, pois tem em simultâneo um carácter sagrado e inexpugnável.
Por outro lado conjuga harmoniosamente zonas de vidro, que lhe dão aparente transparência e leveza, com o revestimento a pedra calcária, material pesado e marcado pela sua própria antiguidade.
De cada fachada destacam-se dois corpos verticais, tipo contraforte, que formam com o resto da construção dois TT, reproduzindo as iniciais de Torre do Tombo.
A sua planta tem a forma de um grande H que nos remete para a palavra História.
A fim de valorizar e reforçar esta função estética e simbólica, os arquitectos responsáveis convidaram o escultor José Aurélio a conceber e produzir as gárgulas da Torre do Tombo.
Com efeito nas fachadas sul e norte observam-se oito imponentes gárgulas que, simultaneamente, se destacam e integram no edifício.
As Gárgulas da Torre do Tombo
A Simbologia das Gárgulas
As gárgulas são elementos escultóricos que geralmente apresentam formas zoomórficas ou antropomórficas.
Apesar de as suas origens serem mais recuadas, estamos habituados a relacioná-las com a arquitectura das grandes catedrais góticas.
Estes elementos têm uma função prática que consiste em canalizar e desviar as águas pluviais dos telhados dos edifícios. Estas são descarregadas longe das paredes, evitando infiltrações e a consequente degradação das mesmas.
Mas as gárgulas têm uma outra função não menos importante, a simbólica.
Elas eram a representação de seres extraordinários imperfeitos mas dominados e colocados ao serviço do poder espiritual da Igreja. Mantinham-se fora do espaço sagrado, mas eram os seus protectores. São por isso os guardiões do templo e esta ideia é directamente transposta para as gárgulas da Torre do Tombo.
O Escultor José Aurélio
José Aurélio (1938) é um escultor de excelência representado em museus e colecções particulares, nacionais e internacionais e detentor de numerosos prémios.
O seu trabalho inclui entre outras, vastas produções de esculturas para espaços públicos presentes em diversos concelhos do país e no estrangeiro, assim como medalhística e numismática.
Destaque para as obras: a Mão de 1966 em Óbidos; o Monumento ao Trabalho em Almada de 1993; a Escultura de 7 Rios de 1999 em Lisboa e em São Paulo, Brasil a Porta de Abril, de 2001.
Trabalha diversos materiais como pedra, madeira e bronze, obedecendo a uma estética minimalista e tendencialmente geometrizante.
O projecto das gárgulas para a Torre do Tombo constituiu um enorme desafio para este, à data, já experiente escultor.
Não foram apenas desafiantes os aspectos técnicos como o facto de o seu trabalho ir integrar um edifício e a sua impressionante dimensão. Mas encontrar a forma de transmitir a mensagem de que aquelas gárgulas pertenciam aos arquivos nacionais foi igualmente estimulante.
A Execução das Gárgulas da Torre do Tombo
O desejo e a necessidade de integração no edifício fizeram o artista optar pela forma cúbica dos elementos escultóricos, uma vez que esta não entraria em choque com os restantes elementos arquitectónicos.
A dificuldade consistia na intenção de fazer essa forma prevalecer, ou seja, depois de esculpidos os cubos tinham de permanecer cubos. Este facto condicionou a técnica de representação e esse também foi um desafio.
Cada gárgula foi esculpida num monólito cúbico de 30 toneladas e com mais de 2 metros de lado.
Este facto obrigou a que o trabalho fosse realizado numa oficina de transformação de pedra que dispunha de condições muito específicas nas proximidades das pedreiras de origem, na região de Porto de Mós.
Acrescia ainda a dificuldade de que todas as faces dos cubos tinham de ser alvo de intervenção. Cinco faces são esculpidas e na sexta era necessário abrir um buraco rigorosamente cúbico destinado a encaixar numa estrutura saliente da parede do edifício, preparada para esse fim.
Depois de esculpidas as gárgulas ficaram com cerca de 18 toneladas. Colocá-las no seu local constituiu também um trabalho de grande complexidade.
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As Guardiãs
As oito gárgulas da Torre do Tombo, quatro na fachada sul e outras quatro na fachada norte, são de dois tipos: as guardiãs e as dicotomias.
As primeiras, representadas por quatro suportes de escrita ou formas de comunicação, estão colocadas viradas para fora.
As outras, elementos fundamentais da história da humanidade que se relacionam com a memória estão, entre as primeiras, viradas para dentro.
Na fachada sul encontramos da esquerda para a direita: A Guardiã das Ondas Hertzianas; as dicotomias O Bem e o Mal e O Velho, o Novo e a Morte; e A Guardiã doAlfabeto.
Na fachada norte encontramos também da esquerda para a direita: A Guardiã dos Papiros; as dicotomias A Tragédia e a Comédia e A Guerra e a Paz; e por fim A Guardiã das Tábuas.
Vale a pena deslocar-se ao local e apreciar este impactante templo da memória, edifício que está classificado desde 2012 como monumento de interesse público.
Se tiver uns binóculos não se esqueça de os levar, podem ajudar na apreciação das magníficas gárgulas da Torre do Tombo.
Se gostar pode adquirir reproduções das gárgulas da Torre do Tombo da Vista Alegre, uma colecção premiada com menção honrosa pelo German Design Award 2017.
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