Entalados da Lisboa dos Anos 50

Entalados da Lisboa dos Anos 50

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Os entalados da Lisboa dos anos 50 são elementos escultóricos que marcaram presença na cantaria decorativa das novas construções, da segunda fase de expansão das Avenidas Novas.

A fim de valorizar estes novos prédios de rendimento, eram deixados pequenos espaços nas fachadas, geralmente, na parte superior ou na lateral das portas principais, para que fossem decorados.

As opções estéticas da época passaram, predominantemente, por esculturas ou relevos de carácter figurativo. 

Sabia que estas intervenções decorativas respondiam a uma imposição do plano de urbanização da cidade?

Mas qual a origem dos entalados da Lisboa dos anos 50? Onde os podemos encontrar? Quais os temas predominantes e qual o seu significado?

Procuraremos responder a estas e a outras curiosas questões ao longo deste nosso artigo.

Origem do Nome Entalados

Foi em 1969, no livro Lisboa em Transformação que o arquitecto Keil do Amaral (1910-1975) criticou a valorização dos imóveis, decorrente da presença de esculturas que considerava estranhas e que haviam proliferado, por Lisboa, anos antes como uma epidemia.

Estas foram criticadas por, muitas vezes, apresentarem uma qualidade duvidosa e estarem sempre enquadradas numa estética convencional académica. E foram até ironizadas com a proposta de criar uma Associação Protectora de Lisboa e das Mulheres Entaladas entre as Portas e as Sacadas.

Na verdade, são tantas as figuras femininas recostadas para caber no exíguo espaço que lhes era destinado que o termo se vulgarizou e tomou a forma no masculino, entalados. Este passou a designar todas estas intervenções, trate-se ou não da representação de mulheres.

Os Entalados da Lisboa dos Anos 50

Entalados da Lisboa dos Anos 50: Peça da autoria de Soares Branco na Av. Marconi
Peça da autoria de Soares Branco na Av. Marconi

Após termos encontrado, registado e analisado mais de 100 entalados e conscientes de estarmos longe de ter realizado um levantamento exaustivo, podemos apesar disso, tirar algumas conclusões no que respeita à sua preferencial localização, ao seu estatuto e aos temas que abordam.

Localização

No que respeita às localizações podemos afirmar que as maiores concentrações estão patentes, como seria de esperar, nas Avenidas Novas e bairros construídos nos anos 40/50 em prédios de rendimento destinados à classe média/alta e ainda em novas construções pontuais de bairros mais antigos.

Estes últimos são os casos de Campo de Ourique, Campolide ou Benfica onde existem, mas em número residual.

Assim, se quiser ir ao encontro dos entalados da Lisboa dos anos 50 terá de percorrer a Avenida D. João V e suas proximidades, a zona do Arco do Cego e a Alameda D. Afonso Henriques, a Avenida Almirante Reis, o Bairro das Colónias…

Mas a maior concentração em número e qualidade encontra-se na Avenida de Roma e zonas envolventes.

Estatuto Ambíguo

Entalados da Lisboa dos Anos 50: Peças de José Farinha - Calçada da Memória; Rua João Penha; Rua São João Nepomuceno
Peças de José Farinha – Calçada da Memória; Rua João Penha; Rua São João Nepomuceno

Estas intervenções respondiam a uma disposição do Plano de Urbanização e Expansão da Cidade que impunha que as novas construções que ultrapassassem um determinado valor tivessem na sua fachada um elemento decorativo.

Normas muito apertadas condicionavam a localização e dimensão destas intervenções. Assim, os arquitectos deixavam os espaços para este fim e era depois o construtor civil que se encarregava de contratar artistas, de estatuto diferenciado em função do orçamento disponível, para executarem as peças.

Estes são na sua maioria elementos escultóricos apesar de haver alguns exemplos de cerâmicas policromadas, em azulejos ou pastilha cerâmica, a que nos dedicaremos em particular oportunamente.

Muitos destes elementos escultóricos não eram talhados em pedra, o que pelo menos lhes daria o carácter de peça única. Não são raros os casos em que nos encontramos perante peças de cimento pintadas, de branco ou coloridas, que à distância a que se encontram não nos permitem aferir, com certeza, qual o material de que são feitas.

Este processo de molde e tipo de material permitem não só tornar a peça mais barata mas também fazer várias reproduções às quais, geralmente, tinham o cuidado de acrescentar ou subtrair elementos para que não resultasse num trabalho exactamente igual.  

Por outro lado, a repetição dos temas é uma constante, o que revela por parte dos seus executantes pouco empenho ou valorização destas encomendas.

Assim podemos dizer que a criatividade não será uma característica assinalável destas intervenções o que é surpreendente, pois nestas os escultores até gozavam de uma certa liberdade, tendo em conta o controlo rígido dos poderes públicos de então.

Por todos estes motivos a sua qualidade plástica é muito variável e o seu estatuto ambíguo porque não se podem considerar peças de escultura plena nem simples cantaria artística. 

Temas dos Entalados da Lisboa dos Anos 50

Se atentarmos nas intervenções localizadas nas Avenidas Sidónio Pais e António Augusto de Aguiar, que vimos em O Estilo Arquitectónico Português Suave na Lisboa de 40, realizadas por artistas de renome como o escultor Leopoldo de Almeida, constatamos que os entalados da década seguinte se limitam a repetir os temas que ali se encontram, como se esta mostra fosse um catálogo.

Nos entalados da Lisboa dos anos 50 encontramos um número equilibrado de representações de peixes, caravelas, pombas, flores com espigas e homens. Mas quanto ao número de mulheres, observamos que este cresce para cerca de cinco vezes mais.

Representações de peixes, caravela e pomba em Alameda Afonso Henriques; Rua Chaby Pinheiro; Rua do Conde de Redondo
Peças na Alameda Afonso Henriques; Rua Chaby Pinheiro; Rua do Conde de Redondo

Os homens são representados com linhas angulosas e fortes, apresentando-se musculados como heróis gregos, quase sempre em relação directa com o mundo do trabalho ou no papel de pai.

Representações de homens na Av de Roma e Campo Pequeno

Já as mulheres surgem sempre semi-nuas, recostadas em atitude pacífica e lânguida, segurando pombas, barcos, maçãs… ou personificando alegorias.

A Castidade na Rua Cecílio de Sousa e a Indústria na Rua Visconde de Santarém
A Castidade na Rua Cecílio de Sousa e a Indústria na Rua Visconde de Santarém

Estas representações transmitem-nos a visão do papel da mulher numa sociedade conservadora. Por um lado, é exaltada a sua beleza e sensualidade através da nudez, da tentadora maçã e da representação de sereias com o seu carácter sedutor e destrutivo. Por outro, o ideal de castidade e passividade simbolizado na presença da pomba ou, não raras vezes, a sua representação no papel de mãe.

Representação de mãe e filho de Soares Branco na Av. de Roma. Família, não assinado, na Rua António Pedro.
Peças na Av. de Roma e na Rua António Pedro

Talvez os entalados que melhor resumem este discurso sejam dois discretos relevos coloridos que encontramos num prédio da Rua da Horta, ao Príncipe Real.

Peças de Soares Branco na Rua da Horta

Estes exemplares, assinados pelo escultor Soares Branco e datados de 1956 representam, num caso uma mulher e uma criança protegidas sob o mesmo manto cor-de-rosa, e noutro, uma composição mais complexa que remete para a criação da mulher. De uma filactera surge a mão de Deus onde está sentada uma mulher nua, ao lado a árvore do Paraíso e a envolver todos os elementos as asas de uma pomba estilizada. O desfecho desta história é do conhecimento de todos! 

Destaque para Dois Escultores: Soares Branco e José Farinha

Alguns dos entalados da Lisboa dos anos 50 estão assinados.

Encontramos por exemplo no Largo do Andaluz, dois relevos num prédio de esquina da autoria de Euclides Vaz. Ou na Avenida Duque de Loulé e na Rua da Infantaria 16, duas elegantes figuras femininas talhadas por Stela Albuquerque.

Mas as peças que mais sobressaem em número são, sem dúvida, de dois artistas de estatuto muito diferenciado: Soares Branco e José Farinha.

Soares Branco (1925-2013), discípulo de Leopoldo de Almeida, foi durante largas décadas prestigiado professor da Escola Superior de Belas Artes e autor de peças como: Vento Garroa presente no Parque Eduardo VII (que julgamos ser a origem das mulheres com barcos muito representadas nos entalados), o Santo António do Largo de Santo António da Sé, ou o Monumento a Sá Carneiro na Praça do Areeiro.

Peças de Soares Branco na Av. de Roma
Peças de Soares Branco na Av. de Roma

Este escultor produziu muitos entalados, arriscamos dizer, os plasticamente mais interessantes. São os casos, entre muitos outros, das mais emblemáticas mulheres que se observam nos números 103 e 105 da Avenida de Roma e o único que observámos de carácter abstracto na Avenida Marconi.

José Farinha (1912-1979) é o caso paradigmático de um escultor autodidacta, porque pela sua condição física, provocada por uma doença que o afectou em criança, não lhe foi permitida a frequência no ensino superior artístico.

Contudo, foi autor de inúmeras obras de escultura e medalhística, colaborou com o arquitecto Pardal Monteiro e hoje o seu nome consta da toponímia de Lisboa.

Peças de José Farinha em Estrada de Benfica e Rua das Francesinhas
Peças de José Farinha em Estrada de Benfica e Rua das Francesinhas

São da sua autoria inúmeros entalados, espalhados um pouco por toda a cidade. Produções mais elaboradas que representam mulheres ou elementos mais pequenos como pombas e flores.

Neste escultor podemos observar como elementos diferenciadores as formas delicadas arredondadas e, muitas vezes, a introdução de pequenas estrelas que pontuam as composições e que constituem como que uma assinatura do autor.

Os entalados da Lisboa dos anos 50 não serão exactamente obras de arte, mas marcaram a cidade e hoje fazem parte do seu imaginário.

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