Desta vez, em getLISBON convida, publicamos uma reflexão de Luís Bayó Veiga sobre o Chiado de outros tempos. Um Chiado elegante das lojas da moda importada de Paris, tendência que resulta das invasões e do refrescamento das mentalidades no pós-revolução francesa. Os complementos de moda eram tão importantes quanto os figurinos e as luvas, em particular, constituíam-se como elementos de distinção, luxo e charme. Aqui se recordam luvarias desaparecidas há décadas, assim como a sobrevivente Ulisses que continua a encantar pela peculiaridade do seu exíguo mas distinto espaço.
A Importação da Sofisticação Parisiense
O período em que o general francês Junot governou Lisboa, entre 1807 e 1808, foi marcado por uma profunda transformação da sociedade lisboeta, deixando uma marca indelével na cidade, tornando-se até símbolo de uma época de grandes transformações.
A invasão francesa e a subsequente fuga da Corte para o Brasil trouxeram consigo uma nova cultura, costumes e, sobretudo, uma moda que espelhava a sofisticação parisiense. Era de bom tom inserirem-se no vocabulário português novas palavras ou dizeres da língua francesa, apelidados de “francesismos”, muitos deles utilizados até hoje.
A aristocracia lisboeta, apesar da instabilidade política, não abdicou da sua vida social. As óperas no São Carlos, os teatros, as quermesses, as festas de beneficência, os encontros sociais e os chás dançantes, tornaram-se ainda mais frequentes e luxuosos. Eram muitos os bailes nos salões dos palácios e palacetes pertencentes à alta sociedade, ricamente decorados e iluminados a gás, repletos de damas e cavalheiros que exibiam os mais recentes modelos da moda francesa.
No que respeita às novidades provenientes de Paris em Lisboa, a moda feminina, em particular, sofreu uma profunda transformação. Os vestidos, com cintura alta e saias volumosas, eram adornados com rendas, fitas e outros detalhes que imitavam os modelos parisienses. Os chapéus, com plumas e flores, completavam o visual das damas mais sofisticadas.
O Chiado, coração cultural e social de Lisboa, era o local predileto para os encontros da alta sociedade, ou da “sociedade elegante”, como então se designava.
Reportando-nos apenas ao Chiado elegante no período temporal entre as derradeiras décadas de 1800 e as primeiras de 1900, era aqui que se situavam as principais lojas apetrechadas com as últimas novidades da moda parisiense, le dernier cri, entre tecidos, vestuário, chapéus, leques, luvas, calçado, lingeries, em complemento com perfumarias, cabeleireiros e muito mais, que pudessem ir ao encontro, à época, das exigências do glamour e da vaidade humana.
Não faltavam as modistas, quase todas de origem francesa, que proliferavam pelo Chiado e ruas limítrofes, algumas das quais, anunciavam receberem como clientes nos seus ateliers, as “sereníssimas altezas” da Casa Real, espaços que por vezes serviam de locais discretos para encontros romanceados…
As Luvas, Símbolo de Elegância e Sofisticação
As luvas, como acessório, eram presença marcante na elegância do vestuário, no tempo em que o Chiado era o coração pulsante de Lisboa.
As luvas eram mais do que um acessório, conferindo um toque de charme, indispensáveis para qualquer homem ou mulher que se preocupasse com a sua imagem e o seu modo personalizado de se apresentar na sociedade onde se movimentava.
Além de protegerem as mãos, as luvas conferiam um toque de sofisticação e refinamento a qualquer conjunto. A escolha da cor, do material e do comprimento variava de acordo com a ocasião e o traje.
Acompanhando a procura, foram várias as lojas especializadas em luvas, luvarias, que existiram no Chiado, maioritariamente localizadas nas ruas do Carmo e Garrett, mas também em outros locais da Baixa.
Recordam-se aqui algumas delas:
Com excepção da Luvaria Ulisses, que resiste na Rua do Carmo, todas as demais desapareceram.
A moda do uso de luvas como acessório de glamour e charme das classes mais favorecidas e elegantes que passeavam pelo Chiado, desapareceu. O Chiado elegante também, apesar de ali se manter a maior concentração de lojas com interiores e fachadas que, mesmo com novos usos, testemunham outros tempos de sofisticação que importa preservar.
Luís Bayó Veiga é autor dos artigos:
– O Sítio do Cais do Sodré, Origem e Vivências
– Os 100 Anos do Parque Mayer – Histórias, Vivências e Memórias
– Breve História das Embarcações do Estuário do Tejo
publicados nesta mesma rubrica.
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Luís Bayó Veiga
Curioso e amante da cidade de Lisboa, onde nasceu em 1948. Residente em Almada.
Coleccionador de Banda Desenhada antiga portuguesa e de Postais Ilustrados sobre Lisboa, com milhares de exemplares nas suas colecções. Possui ainda um acervo significativo de livros, jornais, revistas e complementos, relativos à cidade.
Autor de alguns livros sobre memórias e história local de Cacilhas e Almada. Co-autor de mais de uma dezena de documentários sobre aspectos de Lisboa antiga em suporte multimédia.
Sócio do Grupo dos Amigos de Lisboa.
Frequentador assíduo de conferências, colóquios e outros, organizados por diversas entidades públicas e privadas, no âmbito da Olisipografia.
Licenciado em Engenharia Química pelo IST e duas Pós-graduações pelo ISCTE.