Lisboa cidade mulher? Esta é uma pertinente reflexão sobre a feminilidade de Lisboa pela mão de Vanessa Miranda, na nossa rubrica getLISBON convida. Vai certamente gostar de acompanhar este raciocínio que nos transporta pela história e pela sensibilidade colectiva.
Pensar em Lisboa é pensar numa cidade formosa, menina, moça, rainha ou princesa. Pensar nela leva-nos a crer que Lisboa é uma cidade mulher… ou é apenas impressão?
Lisboa, a cidade das sete colinas, revela-se aos seus habitantes e visitantes, misteriosa, graciosa e com a estrondosa força de uma mulher. Caminhar pelas suas ruas, ouvir o eco do seu fado e contemplar os seus monumentos traz à tona a sensação de que existe algo intrinsecamente feminino na alma desta cidade. Lisboa, sem dúvida, parece ser uma cidade mulher.
A Feminização das Cidades
A personificação das cidades como figuras femininas é uma prática antiga. A própria palavra “cidade” tem origens que evocam o feminino.
A palavra “metrópole” deriva do grego “metropolis”, junta “metra” que significa “útero” e, “polis”, que significa “cidade”. Este conceito linguístico é o primeiro indício de que as cidades, na sua essência, são frequentemente associadas ao feminino.
Na arte, por exemplo, Lisboa é frequentemente retratada como uma mulher. Nos versos cantados, melancólicos ou românticos, a cidade é descrita como “menina e moça”, “princesa do Tejo” ou “Lisboa Dama das colinas”. Ela é pintada como uma figura enigmática, evidenciando a ideia de que Lisboa é uma cidade feminina.
Lisboa: A Exclusão e Conquista Feminino
Um passeio por Lisboa revela-nos que são poucas as ruas com nomes femininos, estátuas femininas ou até mesmo monumentos com nomes femininos. Em termos comparativos, prevalece o nome masculino.
Historicamente, as mulheres sempre estiveram confinadas ao espaço privado e doméstico, enquanto os homens dominavam o espaço público, ou seja, a cidade. Este padrão de segregação foi particularmente evidente na Antiguidade Clássica, onde a participação das mulheres na vida pública, especialmente na “polis” (cidade), era severamente limitada.
No entanto, com a passagem do tempo, as mulheres conquistaram o seu lugar na cidade. Em Portugal, entre 1750 e 1770, as mulheres da nobreza e da burguesia começaram a reivindicar o direito à cidade.
As mulheres lisboetas da segunda metade do século XVIII, tradicionalmente só saíam de casa para assistirem a cerimónias religiosas, visitas a amigas, ainda começaram a frequentar determinados espetáculos e corridas de touros.
Foi o novo despertar para as mulheres. Passaram, de igual modo, a marcar presença no teatro, na ópera e nos bailes públicos.
O processo de conquista do espaço público pelas mulheres foi gradual, porém lento, mas abriu o caminho para a participação feminina na vida urbana.
Lisboa: Uma Cidade Mulher?
O fado, símbolo identitário de Portugal, é um profundo reflexo da alma lisboeta. E nesta expressão musical, Lisboa é frequentemente personificada como uma mulher.
Fados famosos como “Lisboa menina e moça”1, desdobra-se uma cidade cujos “seios são as colinas”, é uma “cidade, mulher da minha vida”. Lá no alto da Graça“ eu vejo-te nua” e não existem dúvidas de que Lisboa “és uma mulher de rua”. Cidade mulher que “veste seda”2 e é “Lisboa namoradeira”, “uma menina airosa e bonita”.
Estes versos não só capturam a beleza e a melancolia da cidade, mas também a retratam como uma figura feminina, complexa e multifacetada.
Uma visão atenta aos diversos versos cantados do símbolo identitário, a cidade é retratada como uma jovem, cheia de vida e energia, mas também carregada de memórias e saudade. Esta dualidade, que é tão característica de Lisboa, reflete-se na forma como a cidade é personificada. Tal como uma mulher, Lisboa é simultaneamente forte e vulnerável, cheia de histórias e mistérios por desvendar.
Andar pelas ruas de Lisboa é como ser envolvido pelo abraço caloroso de uma mulher. As suas colinas oferecem vistas deslumbrantes, os seus bairros antigos como Alfama e Mouraria são repletos de histórias de tempos passados, e os seus azulejos, que cobrem inúmeras fachadas, refletem a luz do sol de uma forma única, quase mágica.
Lisboa é uma cidade que acolhe. E todos nela se aventuram. Seja nas suas praças movimentadas ou nos recantos mais escondidos, há sempre uma revelação a mostrar-se. E tal como uma mulher forte e independente, Lisboa é uma cidade que continua a reinventar-se. Assim como uma mulher que enfrenta adversidades e levanta-se mais forte, Lisboa também superou as suas, como o terramoto de 1755, que devastou grande parte de si. Uma cidade que caiu e reconstruiu-se.
Lisboa: Uma Cidade Mulher ou Apenas uma Impressão?
Lisboa é uma cidade mulher. Na sua essência é uma cidade que encarna o espírito feminino. Desde a sua personificação na arte até ao papel que as mulheres desempenharam na construção e na vida da capital portuguesa, Lisboa é, sem dúvida, uma cidade mulher.
Um passeio a pé pelas suas ruas obriga-nos, agora, a uma visão diferente: uma visão feminina. Somos constantemente lembrados da sua dualidade, da sua capacidade de acolher e de cativar, da sua força e resiliência. Lisboa é uma cidade que, tal como uma mulher, continua a reinventar-se e surpreender.
E assim, entre as colinas e o Tejo, entre o passado e o presente, Lisboa permanece eterna, uma mulher que continua a inspirar todos os que se cruzam no seu caminho. Não se trata apenas de impressão, Lisboa é, sem qualquer dúvida, uma cidade mulher; Uma Senhora mulher do Tejo3.
1 Lisboa menina e moça, canção de Carlos do Carmo
2 Princesa do Tejo, canção de Graça Maria
3 Senhora do Tejo, canção de Maria da Fé
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Licenciada em Gestão de Atividades Turísticas e em 2023, terminou o mestrado em Património Cultural.
Atualmente, dedica-se ao seu projeto de walking tours femininos em Lisboa, onde dá voz e palco a inúmeras mulheres história.
É também consultora na produção de conteúdo no âmbito de turismo e património para algumas empresas. Siga o seu trabalho no Instagram e no seu website e blog.