Lisboa de Espiões - Intrigas e Glamour na II Guerra de Marisa Filipe

Lisboa de Espiões – Intrigas e Glamour na II Guerra

Neste artigo da rubrica getLISBON convida temos o prazer de contar com a colaboração de Marisa Filipe. Esta historiadora, apaixonada por espionagem do século XX, fala-nos sobre a Lisboa de espiões e dos locais onde fervilhavam histórias intrigantes…

Em 1939, no dia 1 de setembro, iniciou-se a II Guerra Mundial e o nosso país a mando de Salazar, declarou imediata e unilateralmente a neutralidade. Pródigo em relações diplomáticas com os aliados e com os países do eixo, Portugal tornou-se refúgio de famílias abastadas que fugiam da guerra, porto de abrigo de refugiados. Particularmente a capital tornou-se palco de histórias rocambolescas e teatro de espionagem, uma Lisboa de espiões.

Por esta cidade, passaram os mais famosos espiões de todos os tempos e as mais belas e incríveis espiãs. O Hotel Aviz, o Hotel Avenida e a Pastelaria Suíça são apenas alguns desses hotéis e cafés que fervilhavam de intrigas, golpes e até tentativas de rapto numa Lisboa glamorosa, perigosa e absolutamente excitante. 

Principais Palcos numa Lisboa de Espiões

Hotel Aviz, o Hotel Glamoroso dos Espiões

Hotel Aviz, 1961, localizado na Avenida Fontes Pereira de Melo
Hotel Aviz, 1961, Arquivo Municipal de Lisboa, Augusto de Jesus Fernandes, PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/AJF/000375. O Hotel Aviz, que ficava situado na Avenida Fontes Pereira de Melo, foi o hotel mais luxuoso de Lisboa. Uma noite no hotel custava 500 escudos. Jantar no Aviz era considerado um acontecimento social da maior importância.

Inaugurado em 1933, na Avenida Fontes Pereira de Melo, o Hotel Aviz era considerado o hotel mais chique de Lisboa. Nos anos 40, a nata da sociedade portuguesa e internacional (como Amália Rodrigues, Calouste Gulbenkian, os duques de Barcelona e os reis da Roménia) hospedou-se no Aviz e os duques de Windsor, Wallis Simpson e Eduardo VIII, quase que foram raptados neste hotel!

A Gestapo arquitetara um plano para raptar os duques de Windsor, enquanto estes jantavam na companhia do banqueiro Ricardo Espírito Santo na faustosa sala de jantar do Aviz, mas valeu-lhes a perspicácia de um famoso agente duplo que, ao aperceber-se do plano, conseguiu travá-lo, e no dia 1 de agosto de 1940 os duques de Windsor partiram sãos e salvos para as Bahamas a bordo do paquete Excalibur.

Talvez esse famoso espião tenha pedido um Martini batido, mas não mexido, com uma azeitona no fundo. Se desconfia de quem falamos, então vai gostar de saber que esse famoso espião existiu, operou em Portugal e jantou, seduziu e espiou muitas e muitas vezes no Aviz. O seu nome era Popov, Dusko Popov.

Dusko Popov, espião de origem sérvia

Dusko Popov, espião de origem sérvia, trabalhou em Portugal na década de 40.  Jogador habitual no casino do Estoril, evitou o rapto dos duques de Windsor. É considerado o melhor espião de todos os tempos.

Hotel Avenida, Bar de Espiões e Casa da Bela Espiã Treasure

Hotel Avenida, Lisboa
Este hotel de charme possuía o bar de espiões mais bem frequentado e onde se bebia champagne todas as noites. A mais importante espiã da II Guerra Mundial, Treasure, instalou-se neste hotel em 1944.

Os jornais portugueses, em 1940, pouco noticiavam a guerra e as primeiras páginas eram preenchidas com detalhes sobre a grande exposição do mundo português. No Hotel Avenida os portugueses perguntavam ao porteiro quem, nessa noite, tinha pedido champagne, pois os que pediam a estonteante bebida eram os vencedores da batalha do dia. Não se sabe quem pediu mais champagne, se os aliados ou o eixo, mas sabe-se quem foram os vencedores da II Guerra Mundial.

Neste hotel instalou-se uma bela espiã, de origem russa, que conseguiu convencer o seu amante alemão a fornecer-lhe um rádio por onde divulgou informações importantíssimas aos aliados.  Esta espiã, de nome de código Treasure, foi um verdadeiro tesouro durante os tempos mais sombrios e as informações que recolheu foram peças-chave para o Dia D. 

Pastelaria Suíça, Sítio das Boas Pernas

Pastelaria Suiça, esplanada, 1971
[Pastelaria Suiça, esplanada], 1971, Arquivo Municipal de Lisboa, Armando Maia Serôdio (1907-1978), PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/SER/013413

Em 1940, a pastelaria Suíça abriu a primeira esplanada em plena praça D. Pedro IV. Nessa esplanada, frequentada por espiões e espiãs e vista desde a estação do Rossio e de todas as janelas dos cafés e hotéis da praça, sentavam-se também as estrangeiras, muitas delas refugiadas, a matar tempo enquanto o barco para Gibraltar ou para os Estados Unidos não chegava.

O impacto destas mulheres, muitas delas espiãs como Treasure, foi tão profundo na sociedade portuguesa que Suzanne Chantal no seu romance “Deus não dorme”, descreveu o escândalo que provocavam na conservadora e puritana sociedade portuguesa “Estas estrangeiras! (…) Passeiam-se sem meias, sem chapéu. Trazem bâton nos lábios e não têm camisa. Uma vergonha! Um mau exemplo para as nossas filhas.” 

A saia acima do joelho era tão mal, ou tão bem vista, que a pastelaria Suíça passou a ser conhecida como o sítio da Bomparnasse, um trocadilho entre Montparnasse e belas pernas.

Pensão Glória, Lar Lisboeta de Espiões e de Escritores

Pensão Glória do lado direito, (195-). Escritor Alfred Döblin.
Pensão Glória do lado direito; Rua da Palma e rua dos Fanqueiros em obras, [195-], Arquivo Municipal de Lisboa, Judah Benoliel (1900-1968), PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/JBN/004797. Escritor Alfred Döblin.

Situada na Rua dos Fanqueiros, com preços mais módicos do que os hotéis de 5 estrelas da Avenida da Liberdade, esta pensão foi lar de espiões e espiãs e também do escritor Alfred Döblin e da sua família, refugiado alemão de origem judaica, enquanto aguardavam o barco que os levaria para a América.  Enquanto esperavam, passavam as tardes nos “cafés frescos” e de noite passeavam pela Avenida da Liberdade “um imponente boulevard, amplo e comprido, onde há cinema, música”, como descreve Döblin na sua obra Viagem ao Destino.

Estas e outras histórias da Lisboa de Espiões são contadas todos os quartos domingos de cada mês pela Historiadora Marisa Filipe.  Não é apenas uma visita guiada ao passado, mas a entrada numa autêntica máquina do tempo à Lisboa dos anos 40, uma cidade dividida entre a opressão do Estado Novo, o glamour e a modernidade trazidos por refugiados, espiões e realeza. Inscrições através do link.

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Marisa Filipe
É licenciada em História – Património Cultural pela Universidade de Évora, Pós-graduada em Reabilitação e Restauro pela E.S.A.D e com Mestrado em Desenvolvimento, Diversidades Locais e Desafios Mundiais pelo I.S.C.T.E.
Como guia, já desempenhou funções nos mais diversos palácios e museus, desde o palácio de Mafra até ao palácio da Ajuda, Pena, Queluz, entre outros. É uma apaixonada pelo barroco e por espionagem no século XX.

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