100 Anos do Parque Mayer de Luís Veiga Lopes

Os 100 Anos do Parque Mayer – Histórias, Vivências e Memórias

O Parque Mayer faz 100 anos!
Celebramos este aniversário da melhor forma, através do testemunho de quem tão bem o conheceu. É uma honra contar, mais uma vez, com a participação do nosso querido amigo e colaborador
Luís Bayó Veiga que aqui concilia o rigor da história às emoções vividas na primeira pessoa. Nesta crónica partilha não só as origens deste peculiar espaço mas também as suas memórias sobre este local de convívio, entretenimento e cultura que durante décadas animou a cidade de Lisboa. 

Ponto de Encontro

Cheguei à hora combinada. Sentada num banco da Avenida, mesmo em frente ao icónico cinema S. Jorge, ela já me esperava, minha companheira dilecta de tertúlias, de conversas e passeios pela Lisboa das nossas vidas, me cumprimentou e me ofertou um sorriso. 

Tínhamos aprazado um almoço, mas guardei a surpresa do local: o restaurante A Gina no… Parque Mayer!

Com o agrado costumeiro da companhia mútua, lá partimos em breve percurso a caminho do restaurante prometido, na perspectiva de uma refeição repartida entre aromas e sabores, condimentada pelas novidades, curiosidades e descobertas sobre a Lisboa que nos une, a Lisboa que está sempre presente nas nossas conversas que se prolongam bem para lá do final de cada refeição. 

Levava ainda comigo, uma boa dose de imaginação, para lhe dar a conhecer o Parque Mayer, como ele era, como o conheci e que já não existe, recorrendo às minhas memórias e vivências que neste espaço ao longo de duas décadas, foi meu local habitual de convívio e de entretenimento à mistura de emoções e de bons momentos, dos quais hoje só restam recordações e saudade… 

Os Antigos Espaços de Diversão Popular

Antes do aparecimento do Parque Mayer, até então Lisboa divertia-se com as feiras sazonais que ofereciam espaços lúdicos de diversões populares, espectáculos de feira e retiros de comes e bebes.

As feiras anuais das Amoreiras, Campo Grande, da Luz, da Estrela, do Lumiar, de Santos e de Alcântara, eram disso exemplo.

Mas foi sobretudo na Feira de Agosto, que a partir de 1908 surge na Rotunda localizada ao cimo da Avenida, que se celebrava ao longo de todo o mês de Agosto, com entrada livre, e onde a Lisboa popular de outrora se divertia nos quentes dias e noites de estio…

Foi uma das principais feiras típicas da capital, com comércio regional, petiscos, actividades circenses com exibição de ginastas, funâmbulos, ilusionistas, acrobatas, cavalinhos, palhaços e muitos outros divertimentos, sem faltar o “Theatro Júlia Mendes” montado em madeira (e que era proveniente da Feira de Alcântara), onde se apresentavam cenas cómicas, cançonetas, farsas, comédias, revistas, mágicas, entre outros géneros, que por serem muito do gosto popular, tinha sempre casa cheia…

A feira de Agosto encerrou definitivamente no ano seguinte à Revolução do 5 de Outubro de 1910, onde o espaço da Rotunda teve especial relevância…

Luna Parque

Na ala direita do início do parque Eduardo VII, em terrenos anexos à Exposição Industrial Portuguesa e bem perto da Rotunda, surge em 1933, o “Luna Parque”.

Este novo espaço de diversão lisboeta, foi aberto em 2 de Julho de 1933 e era explorado pela Sociedade de Diversões, Lda, constituída no mês anterior.

Dispunha de um conjunto de modernas atracções de divertimentos provenientes de outras feiras internacionais, e que chegavam a Lisboa por via marítima devidamente desmontados.

Com entrada paga, para além da oferta dos entretenimentos tradicionais populares, quiosques de bebidas e petiscos, tendas de almoços e jantares, as novidades passavam pela Montanha Russa, a Roda Gigante, o Poço da Morte, o Labirinto Chinês, Barcos-automóveis, “Carroussel-Lagarta”, aviões, Comboio Fantasma, Automóveis de Choque, e outras tantas mais…

Não faltavam as cervejarias, cafés, esplanadas, um amplo restaurante – dancing panorâmico e ainda uma casa de fados de nome “Retiro da Severa”, onde actuavam as maiores cantantes do fado na época, e que mais tarde se mudou para o Salão Jansen, nas cercanias do Chiado, mantendo o mesmo nome, e se tornou lendário.

Sendo um novo local de atracção lisboeta, (que viria a ter curta duração, encerrando logo após o Verão de 1935), veio a reduzir drasticamente o afluxo habitual de visitantes ao Parque Mayer no que toca a diversões, não deixando, todavia, de continuar a ser frequentado por magotes de gentes para assistirem às Revistas que se exibiam todas as noites em 2 sessões, nos Teatros Maria Vitória e Variedades ou às sessões de cinema (por vezes também Revistas) que passavam no Cine-Teatro do Capitólio.

Oito anos mais tarde, iria aparecer a Feira Popular…

O Parque Mayer – A Sua Origem

O designado Parque Mayer está implantado no espaço onde existiram os jardins adjacentes ao Palácio Mayer, situado no lado ocidental da Avenida entre a Rua do Salitre e a Praça da Alegria que pertencia a Adolfo Lima Mayer. Por questões de partilhas entre os herdeiros de Lima Mayer, em 1920 o Palácio Mayer foi à praça tendo sido adquirido pelo capitalista Artur Brandão e vendido no ano seguinte à recém-constituída Sociedade Avenida Parque, Lda, da qual faziam parte 10 sócios, entre os quais, o sócio maioritário Luís Galhardo, escritor, jornalista e empresário muito ligado ao meio teatral.

Aquela sociedade propunha-se adquirir um espaço que se adaptasse a um local de convívio, entretenimento, diversões e realização de espectáculos de variedades de todo o género, com relevância para o Teatro de Revista.

O edifício palaciano (sob o traço do arquitecto Nicolau Bigaglia e 1º prémio Valmor em 1902) foi arrendado em 1918, pela família Mayer, nele se instalando o Club Mayer (posteriormente denominado Avenida Palace Club) similar a outros vários clubes que proliferaram por Lisboa na década de 20, dedicados a variedades, bailes, jantares, ao jogo e à boémia nocturna e que ficaram conhecidos por “Clubes de Jazz-Band”. 

Em 1930, a Sociedade Avenida Parque vendeu o Palácio ao Governo de Espanha, nele se veio a instalar o Consulado Geral de Espanha e demais serviços adjacentes.

Entretanto, após as necessárias obras de adaptação do jardim e seus dois lagos, que duraram 2 anos, todo o local se transforma num amplo espaço de recreios, onde se instalam diversos equipamentos, quase todos de construção em madeira, vocacionados para a restauração e petiscos, jogos de diversão e espectáculos de variedades.

O novo recinto lisboeta é inaugurado em 15 de Junho de 1922, com o nome oficial de Avenida Parque, mas rapidamente passou a ser conhecido na gíria popular por Parque Mayer.

Estava prevista, também para esse dia, a inauguração de um Teatro de Revista, tal só aconteceu duas semanas mais tarde (o Teatro Maria Vitória, sobre o qual adiante se referirá), pelo que o principal pólo de animação para o primeiro dia festivo, foi o Circo Royal, propositadamente vindo do Porto onde se encontrava em actuação.

A Inauguração do Avenida Parque e a Década de 20

O Avenida Parque, como novidade de espaço de diversão nocturna lisboeta e de convívio, desde o seu início, dispunha de estabelecimentos para todos os géneros e gostos, desde cafés, tasquinhas, restaurantes, retiros, salões de jogos, e espectáculos de variedades que adiante se referirão.

Logo em 1922, ano da sua inauguração, o primeiro restaurante a instalar-se neste espaço foi o João Borges, do qual derivou o restaurante Colete Encarnado, de curta existência.

Ainda na década de 20 e já entrando na seguinte, surgem outros restaurantes (o Pavilhão Favorita, o Amaral, o Pavilhão Branco, o Castelo dos Mouros), as tascas de petiscos, (a Gruta do Lagarto, O Cantinho dos Bons Amigos), os cafés e esplanadas (Mayer Bar, Ribeira Brava, entre outros).

Como espaços de espectáculos musicais e de variedades, com amplas esplanadas a céu aberto, surge logo de início da abertura do Avenida Parque, a Esplanada Egípcia, e dois anos mais tarde, em 1924, o Pavilhão Português e o Alhambra (este com cabaret e animatógrafo), com esplanadas a céu aberto e que durante a década de 20 e seguintes até meados de 50, se tornaram locais muito procurados e de peregrinação sobretudo aos fins-de-semana, sempre com lotações esgotadas para assistirem a espectáculos de variedades, musicais, ilusionismo e fado.

Estes espaços, só funcionavam durante as estações de Primavera e Verão.

Parque Mayer Anos 20

Numa época em que a iluminação eléctrica ainda não era uma realidade para todos os lares lisboetas, o Parque Mayer era um espaço cheio de luz e mais tarde néons de todas cores, o que o viria a caracterizar como pólo emblemático de atracção popular.

Ainda nesta década, em 1926, é inaugurado o segundo Teatro de Revista, o Variedades, que mais adiante será objecto desta crónica.

Nos finais dos anos vinte, o Parque Mayer apresentava já algumas instalações deterioradas, mercê da precariedade das suas construções iniciais feitas em madeira, ao mesmo tempo que todo o espaço envolvente necessitava de intervenções nas suas infraestruturas, bem como algum “ar renovado” no seu visual.

As Décadas de 1930 e 1940

Parque Mayer entrada

Assim, no início da década de 30 procedem-se ao início dos trabalhos necessários de manutenção e a novas construções, estas em alvenaria, de pequenos imóveis destinados a lojas para o comércio e habitação no 1º piso.

É a partir desta altura que a designação popular de Parque Mayer dada ao recinto, se impõe definitivamente em detrimento do “velho” Avenida Parque que provinha desde o seu início.

Em finais da década de 20, a Sociedade Avenida Parque convidou o arquitecto Luís Cristino da Silva, para proceder à renovação da entrada do recinto que até então era formada por um pórtico construído em madeira, assente em quatro pilares, formando 3 enormes portais rectangulares para entradas e saídas dos visitantes. Do seu traço, resultou um novo pórtico de entrada que foi inaugurado em 1930, composto por 4 enormes colunas ortogonais, formando 2 pares em fileira, ornamentados com motivos diversos em baixo relevo e encimados por um conjunto de lanternins encaixados em armação em ferro na forma de cascata envidraçada e iluminada de noite, no estilo Art Déco.

Cristino da Silva, volta a ser convidado para desenhar o projecto de um novo teatro, de que resultou o Cine-Teatro Capitólio, inaugurado em 1931, construído no local onde existiu desde o início do Parque, a Esplanada Egípcia, acima referenciada.

Primeiro Palco das Marchas Populares de Lisboa

Parque Mayer marchas populares

Em Junho de 1932, por sugestão de Leitão de Barros, coadjuvado por Norberto Araújo, personalidades então bem conhecidas do cinema e do jornalismo, pela iniciativa do Diário de Lisboa e o Notícias Ilustrado, realizou-se no Parque Mayer o primeiro concurso das Marchas Populares de Lisboa, apenas com 3 ranchos (como então eram conhecidos) concorrentes: O Bairro Alto, Campo de Ourique e Alto do Pina. O Parque Mayer revelou-se pequeno para tanta euforia! 

Outros três Bairros foram convidados para participar no certame mas fora de concurso: Alfama, Alcântara e Madragoa. 

Desde logo, a Câmara Municipal de Lisboa mostrou interesse em patrocinar a iniciativa, o que veio a acontecer anos depois, em 1935, com as marchas incluídas pela primeira vez no programa das festas de Lisboa, tendo então participado 12 Bairros.

Os Divertimentos

Parque Mayer atracções

Na década de 30 e nos anos seguintes, já era vasta e variada a oferta de diversões, que foram surgindo no Parque Mayer: as barracas dos tirinhos, os carrosséis, o jogo das argolas nas garrafas e nos maços de tabaco, a roleta diabólica, as tômbolas da sorte, as barracas dos fantoches, salões de jogos populares. Havia ainda as bancas de jogo clandestino em locais mais recônditos do Parque…

Parque Mayer divertimentos

Por altura das datas festivas e nos meses de Verão, organizavam-se bailes ao ar livre, com destaque para os festejos no mês dos Santos Populares e na quadra carnavalesca a qual tinha o seu ponto alto com a celebração da Dança da Luta.

Também no Verão apareciam os espectáculos de Circo (Royal, El Dorado e Luftman) e era montado um recinto provisório para combates de Luta Livre e Boxe.

O Estádio Mayer

Foto da direita: [Barraca de tiro ao alvo no Parque Mayer], [193-?], Arquivo Municipal de Lisboa, Ferreira da Cunha (1901-1970), PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/FEC/000563

Ainda falando de divertimentos, no início de 1940 são as pistas de patinagem e dos carrinhos de choque que juntavam muito público. Havia ainda as barracas circenses, conhecidas por “barracas dos fenómenos”, onde eram expostas algumas das aberrações da natureza humana, como sejam o da mulher transparente, a mulher eléctrica e a mulher sereia. 

É também por esta altura que é construído o Estádio Mayer (mais tarde mudou o nome para Estádio Internacional) no local onde esteve o Teatro Recreio,  que se referirá adiante. É neste novo recinto coberto, que se realizam aos fins-de-semana, jogos de basquetebol, mas sobretudo os célebres combates de Luta Livre Americana e também de Boxe, que atraíam multidões em delírio pelos seus heróis.

Em finais da década de 40, destacaram-se na Luta Livre, os combates onde se exibiam os lutadores, com nome artístico de Jack Rocha, El Moreno, Loosen, Saludes, Júlio Neves, Kid Max, e já na década de 60, sem absoluta certeza, actuou o maior entre os maiores, Tarzan Taborda, ídolo máximo dos apreciadores do género.

No boxe, no Estádio Mayer, revelaram-se Belarmino Fragoso e Carlos Rocha, entre outros. Foi desmantelado em meados dos anos 60 e o mesmo espaço foi transformado num parque de estacionamento já no final da mesma década.

A Feira Popular de Lisboa

Entretanto, em 1943, a 10 de Junho, é inaugurada a Feira Popular de Lisboa, que nos primeiros anos teve lugar no Parque José Maria Eugénio em Palhavã e que ali se manteve durante vários anos até transitar para Entrecampos em 1956.

Com a abertura da Feira Popular, que anualmente abria portas entre os meses de Maio e Setembro, este novo espaço de diversão popular vocacionado para o público infantil e famílias, apresentava uma diversificada oferta de divertimentos e restauração para além de outras múltiplas valências, que conduziram a um crescente fluxo de visitantes, enquanto o Parque Mayer, embora mantendo em pleno e em pujança, a programação diária de exibição de 3 Revistas  (chegando mesmo a ser quatro), via diminuir de forma visível a frequência de visitantes, habituais clientes das diversões e comes e bebes.  

As Décadas de 50 e 60

Para procurar atenuar nos meses de Verão, o impacto da Feira Popular de Palhavã na diminuição do fluxo de visitantes, o Parque Mayer foi-se apetrechando com novas ofertas de divertimentos, abriram novos espaços de jogos de salão (ping-pong, matraquilhos, pistas de mini carros, dardos e bilhares), carrossel de cavalinhos e outros mais.

Surgem os pequenos quiosques de venda de gelados (Iglô, Esquimaux, Rajá) e de venda de chocolates e guloseimas, recordando-se as caixas de furo da Regina cuja cor da bolinha premiada (das sete cores existentes) saída do furo determinava o tamanho do chocolate a receber. E a bolinha dourada era sinónimo de se trazer para casa “quilos de chocolate”…

E é assim que no decorrer destas duas décadas, o Parque Mayer nos meses de Verão se transformava numa pequena Feira Popular…

A Restauração no Parque Mayer

No que respeita à restauração, com o decorrer dos tempos, surgem alguns estabelecimentos que são reconvertidos em restaurantes, outros são renovados e ainda outros são reconstruídos.

Na sua maioria, apresentam-se com novo visual, nova gerência e novo nome. Na década de 50, estão abertos ao público, a funcionar em pleno, mais de uma dúzia de restaurantes. 

Recordam-se os que eram mais frequentados: o “Gato Preto” (mais tarde o “Tricas”), a “Malcriada”, o “Júlio das Miombas” (que veio dar origem à “A Gina” e onde posteriormente se instala o restaurante Lisboa), a “Mina” (do Júlio das Farturas), o “Pavilhão de Bucelas” (Xico Carreira), a “Manecas”, o “Retiro da Amadora” (“Mimi”), o “Manel”, o “Lisboa” e outros mais, chegando a funcionar em consentâneo, 13 restaurantes no Parque.

Um dos célebres retiros do Parque Mayer foi o Retiro da Amadora, (localizado na rampa de acesso a um portão do Jardim Botânico, que em grande parte contorna com o seu alto muro o recinto) e que era explorado por 3 irmãs.

Era popularmente designado pelo restaurante da “Mimi”, por uma das 3 irmãs (Maria da Ascensão), ser conhecida por esta alcunha.

Sendo uma excelente cozinheira, afamada pelos seus petiscos, afirmava ser uma amadora de cozinha e não cozinheira e daí o nome de “Retiro da Amadora”. 

Foi frequentado por Jorge Amado e Ferreira de Castro entre outros famosos.

Com cada vez mais apreciadores e o reconhecimento do fado como canção nacional, os estabelecimentos de restauração com apresentação de espectáculos musicais e de variedades, passam a apresentar espectáculos de fado com mais frequência citando-se entre outros, o Salão Artístico de Fados (desde 1934), a Fortaleza da Severa (1932 – antigo Castelo dos Mouros), a Mina (Júlio das Farturas) e ainda o Pavilhão Português e o Alhambra com as suas memoráveis grandes sessões de fado nas noites cálidas de Verão, sempre com lotação esgotada. Com o passar dos anos, foram resistindo  tendo o Alhambra encerrado portas no início da década de 50, vindo a ser demolido e no seu espaço construído o Teatro ABC, inaugurado em 1956.

Na construção do Teatro ABC, uma parte lateral do Pavilhão Português foi parcialmente demolida, mas este espaço depois de readaptado, resistiu mais alguns anos até à década de 70, entrando em decadência, passando a apresentar na parte final da sua existência, filmes baratos para a “rapaziada” e sem a glória dos “bons velhos tempos”…

Os Encantos e Recantos

Foto do meio: [Parque Mayer, barraca de petiscos e divertimentos], [ant. 1926], Arquivo Municipal de Lisboa, Joshua Benoliel (1873-1932), PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/JBN/005170

Entre outros encantos e recantos do Parque Mayer, aqui se recordam os ateliers de fotografia Foto Luzitana e Foto Parque, o Guarda-Roupa Paiva (que vestiu gerações de vedetas, desde a fundação do Parque Mayer, tendo sobrevivido até meados de 2007), o Salão Artístico – cabeleireiro, a banca de livros do alfarrabista Anselmo, a venda dos capilés da Dona Rosa e dos pirolitos da Dona Adélia, os Bares/Dancing/Cabaret: Dominó, Victória e Cantinho dos Artistas (mais tarde “Cantinho da Anita”), que apresentavam espectáculos de variedades e musicais e que eram muito frequentados pelos apreciadores do ambiente de “cabaret” e da nostalgia da noite mas também apreciadores de vivências com alguma intimidade…

O Parque Mayer tornou-se ao longo de décadas, num espaço de boémia, divertimento e convívio por excelência, sendo frequentado tanto pelo povo folião como pela elite política e intelectual de Lisboa. 

Os Teatros de Revista do Parque Mayer

Essencialmente o Parque Mayer ficou famoso pelos seus teatros onde representou até hoje, o que de melhor se fez e se faz em termos de Revista.

A Sociedade Avenida Parque, desde o primeiro momento em que se iniciaram as obras de reconversão dos jardins do Palácio Mayer para o transformar num espaço lúdico, teve firme a ideia de se construir um teatro de raíz, sólido que não se pudesse desmontar como acontecia como os teatros das feiras. Luís Galhardo levou a sua ideia avante e depois de alguns atrasos, quinze dias após a abertura ao público do novo parque de diversões, foi inaugurado a 1 de Julho de 1922, num sábado, o primeiro teatro deste recinto, o Teatro Maria Vitória, em instalações de madeira provisórias.

Maria Vitória

Foto da esquerda: Teatro Maria Vitória no Parque Mayer, 1943, Arquivo Municipal de Lisboa, Eduardo Portugal (1900-1958), PT/AMLSB/POR/024956

O nome deste teatro evoca a memória da famosa actriz e fadista Maria Victoria, cuja morte prematura, poucos anos atrás, criara um sentimento de tristeza na alma lisboeta. Este edifício construído em madeira (popularmente baptizado por “Teatro do Pau”, viria mais tarde a ser substituído por outro em alvenaria.

A sua primeira revista foi Lua Nova, da autoria de Ernesto Rodrigues, Henrique Roldão, Félix Bermudes e João Bastos, com números musicais assinados pelo maestro Raul Portela e direcção musical do maestro Alves Coelho, com Elisa Santos, Amélia Perry, Jorge Roldão e Joaquim de Oliveira.

Apenas havendo no início, um só teatro de Revista coberto, outros espaços se foram instalando nos primeiros anos e subsequentes, e onde pontualmente eram apresentadas sessões teatrais para além de diversos espectáculos de variedades e musicados a céu aberto, como na Esplanada Egípcia e o Pavilhão Variedades.

Variedades

O Teatro Variedades, criado segundo um projecto de Urbano de Castro, foi construído nos terrenos onde antes existira um lago nos jardins do Palácio Mayer. 

A sua inauguração ocorreu no dia 8 de Julho de 1926, com a revista Pó de Arroz, com encenação de Rosa Mateus, sendo autores Ernesto Rodrigues, Luís Galhardo e outros, com um elenco composto por Vasco Santana, como primeira atracção e Augusto Costa (Costinha) como compère, entre outros.

Capitólio

Em 10 de Julho de 1931, é inaugurado o Cine-Teatro Capitólio. Foi construído no espaço onde existiu a Esplanada Egípcia. Deve-se a autoria do seu projecto ao arquitecto Luís Cristino da Silva.

Inicialmente foi utilizado como salão de música e variedades, exibindo espectáculos de cinema e em anos mais tardios, Teatro de Revista e outros géneros, à maneira de cine-teatros da época. Ao tempo, foi pioneiro em muitas inovações no nosso país, dispunha de um passadiço e escada rolante, o primeiro em Portugal, que dava acesso a um terraço onde, nos meses de Verão, se exibia cinema ao ar livre, chegando a existir no mesmo espaço uma pista de patinagem no gelo.

Em 1937, construído no recinto onde anos mais tarde nasceria o Estádio Mayer e bem próximo do popular restaurante Gato Preto, surgiu o Teatro Recreio, desmontável, que na noite da sua estreia apresentou a revista Faça Sol. 

Era seu empresário, Giuseppe Bastos e teve pouca duração. Foi extinto em 1940 para dar lugar a um ringue de boxe.

ABC

Por fim, o Teatro ABC foi o último recinto a ser inaugurado no Parque Mayer.

Abre as portas em 13 de Janeiro de 1956 com a Revista Haja Saúde, de Frederico de Brito e Carlos Lopes, com Curado Ribeiro e Maria Domingas. Era seu empresário José Miguel.

O Teatro ABC, como acima já foi referido, veio a ocupar o espaço onde antecedentemente, existiram o Alhambra, parte do Pavilhão Português, havendo na sua envolvente uma série de restaurantes como o Galo de Ouro, Baía e Casa Blanca. 

Por este Teatro passaram após o 25 de Abril de 1974, espectáculos de cariz erótico como o famoso “Isto é Crazy Horse” de Sérgio Azevedo. Viria ser demolido em Janeiro de 2015 para dar lugar a mais um parque de estacionamento…

O Parque Mayer tornou-se, durante mais de sessenta anos, o centro da “revista à portuguesa”, apesar de outros teatros de Lisboa também terem exibido este tipo de espectáculo. O próprio Teatro Maria Vitória, ficou a ser conhecido como a “catedral do Teatro de Revista”.

Viveu a sua época de ouro entre as décadas de 30 e de 70 do séc. XX, tendo, desde aí, entrado em declínio. Havia duas sessões de exibição durante a semana, incluindo Sábados. Aos Domingos e feriados, havia também matinés. 

Foram Tantos os que Tornaram Possível o Êxito do Teatro de Revista no Parque Mayer…

Muitos foram os/as artistas que passaram pelos Teatros do Parque Mayer e que protagonizaram grandes momentos de gáudio e deslumbramento pelas personagens que interpretaram, mas também pelo seu talento e profissionalismo.

Entre as diversas Revistas que o autor destas linhas assistiu ao longo das décadas de 60 e 80, é minha justa homenagem aqui recordar alguns dos protagonistas (entre tantos mais) que conheci e vi actuar e que foram primeiras figuras e ficaram inesquecíveis na memória dos milhares e milhares de todos aqueles que no Parque Mayer assistiram a inúmeros espectáculos: Carlos Leal, Leónia Mendes, Eugénio Salvador, Camilo de Oliveira, Io Apolloni, José Viana, Dora Leal, Mariema, Octávio de Matos, Victor Mendes, Barroso Lopes, Henrique Santana, Raul Solnado, Florbela Queirós, Carlos Miguel, Nicolau Breyner, Carlos Cunha, Marina Mota, Natalina José, Ivone Silva, José Raposo, João Baião, Vera Mónica, entre outros mais que, conjuntamente com os autores, músicos, técnicos de iluminação e pessoal da produção, carpinteiros, costureiras, empresários, (entre os quais, Giuseppe Bastos, Vasco Morgado e Vasco Morgado Júnior, Eugénio Salvador, José Miguel, Sérgio de Azevedo e, mais recentemente, Hélder Freire Costa) passaram pelo Parque Mayer, e a quem se devem muitos e muitos êxitos que marcaram este tipo de espectáculo e a música ligeira portuguesa da 2ª metade do séc. XX, até aos dias de hoje.

Lembrar ainda, em memória devida, o pintor, maquetista, cenógrafo e figurinista Mário Alberto, que desde 1973 passou a viver no Parque, onde possuía o seu atelier. Foi dos últimos residentes do Parque Mayer. Pela sua vida conviveu com artistas e profissionais do teatro. Foi autor de inúmeros desenhos de figurinos, maquetes e de cartazes de muitas das revistas que foram êxitos no seu tempo.

Na actualidade o Teatro Maria Vitória é o único a funcionar no recinto do Parque Mayer, mercê da persistência do seu empresário e produtor, desde 1975, Hélder Freire Costa.

As Inesquecíveis Canções Estreadas no Teatro de Revista, depois Cantadas na Rua por Lisboa Inteira

Era habitual e comum, muitas das revistas terem um convidado de nome relevante no meio artístico da canção, como atracção nacional e que cantava em estreia absoluta, no decorrer do espectáculo, uma canção popular alusiva ao tema referente a um quadro da Revista ou à temática da mesma.

Algumas das canções transformaram-se em êxitos musicais populares que entravam rapidamente no ouvido e que Lisboa inteira trauteava ou assobiava, quando o assobio estava então muito em voga.

Das mais de trezentas e vinte revistas que passaram pelo Parque Mayer, desde a sua inauguração até ao presente, muitas foram as canções que se tornaram enormes êxitos e ainda se recordam nos dias de hoje. 

Relembro aqui algumas das canções inesquecíveis a que assisti e ouvi ao vivo:

A Rua os meus Ciúmes / Helena Tavares – Revista “A Vida é Bela” (1960)
O Fado mora em Lisboa / Mariema – Revista “Sopa no Mel” (1965) 
Ó Tempo volta p’ra trás / António Mourão – Revista “E Viva o Velho” (1965)
Zé Cacilheiro / José Viana – Revista “Zero, Zero Zé – Ordem p’ra Pagar” (1966)
Lisboa da cor da ponte / Beatriz da Conceição – Revista Mini-Saias (1966)
O que sobrou da Mouraria / Tony de Matos – Revista “Arroz de Miúdas” (1968)
Cheira a Lisboa / Anita Guerreiro – Revista “Peço a Palavra” (1969)
Saudades de Júlia Mendes / Fernanda Baptista – Revista “Ena já fala” (1969)
Maria Zaragateira / Leónida Mendes – Revista “Oh Pá Pega na Vassoura” (1974; Música de 1960)

Epílogo Breve, porque o Tempo Avança…

Terminámos a nossa refeição no Gina, condimentada desta vez com conversas sobre o Parque Mayer. Mostrei-lhe fotografias antigas e falei-lhe dos meus tempos vividos no Parque e das memórias que ficaram misturadas com a nostalgia da saudade…

Depois, levei a minha dilecta companheira a “visitar” o Parque…

Apelei à sua imaginação e lá fui descrevendo o que existia por aqui e por ali e acolá. 

E também das estreitas ruelas formadas por prédios de 1º andar, onde existiam pequenas actividades de comércio, quase despercebidas.

Breve, muito breve foi o passeio que fizemos, pois já nada existe, a não ser os velhinhos imóveis dos teatros Capitólio (restaurado), Variedades (em fase final de restauro) e o Maria Vitória, o “último dos moicanos” que sobrevive e respira desde 1922 no saudoso Parque Mayer…

Para além do restaurante A Gina, nada mais. Apenas o silêncio em memória do passado. Talvez em cada alto da madrugada, se possa ainda escutar o “bruá” que emanava dos magotes de gentes, que em revoada, assomavam ao Parque Mayer, principalmente aos fins-de-semana, à procura do convívio envolvente, de se divertirem, dos petiscos, da risota e por vezes na expectativa em verem passar bem perto a caminho dos camarins, o actor ou actriz da sua predilecção,  ou as Girls (como então eram conhecidas as coristas) dos seus sonhos, enquanto saboreavam nas esplanadas existentes, a frescura de um Capilé, Limonada, Groselha ou Pepermint, bebidas muito populares da Lisboa de então.

Tudo acabou! 

Saímos e em breve despedida, retomámos, cada um, os nossos caminhos ao encontro da vida que nos esperava.

Parabéns Parque Mayer pelo teu centenário!

Esta crónica inteirinha foi dedicada a ti. Foi a minha prenda, a minha homenagem e o meu agradecimento pelos bons momentos que contigo vivi…

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Bibliografia

  • ACCIAIUOLI, Margarida, Os Cinemas de Lisboa – Um Fenómeno Urbano do Século XX, 2012
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  • DIAS, Marina Tavares, Lisboa Desaparecida, vol. 9, Quimera Editores Lda., Lisboa, 2007
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  • RIBEIRO, M. Félix, Os Mais Antigos Cinemas de Lisboa, 1978
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      História do Teatro de Revista em Portugal. Vol.I, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1984
      História do Teatro de Revista em Portugal. Vol.II,  Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1985
  • SANTOS, Vítor Pavão, A Revista à Portuguesa: Uma História Breve do Teatro de Revista. Lisboa, O Jornal, 1978
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  • VIEIRA, Joaquim, Portugal século XX: Crónica em imagens 1920-1930, Lisboa, Círculo de Leitores, 1999
  • Online / Blogs: Almanak Silva; Restos de Colecção

Luís Bayó Veiga
Curioso e amante da cidade de Lisboa, onde nasceu em 1948. Residente em Almada.
Coleccionador de Banda Desenhada antiga portuguesa e de Postais Ilustrados sobre Lisboa, com milhares de exemplares nas suas colecções. Possui ainda um acervo significativo de livros, jornais, revistas e complementos, relativos à cidade.
Autor de alguns livros sobre memórias e história local de Cacilhas e Almada. Co-autor de mais de uma dezena de documentários sobre aspectos de Lisboa antiga em suporte multimédia.
Sócio do Grupo dos Amigos de Lisboa.
Frequentador assíduo de conferências, colóquios e outros, organizados por diversas entidades públicas e privadas, no âmbito da Olisipografia.
Licenciado em Engenharia Química pelo IST e duas Pós-graduações pelo ISCTE.

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