Temos o prazer de publicar, na rubrica getLISBON convida, um artigo da autoria de Ema Câmara, historiadora na Divisão de Gestão Cemiterial da Câmara Municipal de Lisboa. Para além de um breve enquadramento histórico sobre o Cemitério da Ajuda, a autora destaca jazigos particularmente interessantes tanto a nível arquitectónico como simbólico e ainda refere algumas das personalidades que ali repousam. Após a sua leitura vai, com certeza, ficar curioso e querer fazer uma visita a este cemitério histórico da cidade, do qual se observa uma magnífica vista sobre o Tejo, a margem sul e a zona ocidental de Lisboa.
O Cemitério da Ajuda deve a sua implantação, em 1787, à rainha D. Maria I que o mandou construir como última morada para os que serviam a Casa Real e para os pobres das freguesias da Ajuda e Belém.
Seria por decreto de outra rainha, D. Maria II, em 1849 que passaria então a cemitério público, administrado pelo município, circunscrito às mesmas freguesias, e mais tarde teria a classificação de terceiro cemitério de Lisboa, seguindo o segundo, o Cemitério dos Prazeres e o primeiro, o Cemitério de Alto de S. João, criados em 1833.
Em Setembro e Outubro de 1835, tinha sido dado um dos passos mais importantes em termos de higiene e saúde pública, com a publicação de dois decretos que proibiam a habitual inumação nas igrejas, conventos e nos seus adros e a criação de espaços próprios para sepultamento.
Os cemitérios são então criados, em pleno período romântico, como espaços laicos, nos quais é permitida a entrada a todos, independentemente das suas crenças e religiões, consequência dos ideais liberais e pré-republicanos.
Com 4,98 hectares de área, o Cemitério da Ajuda localiza-se na zona mais alta da Calçada do Galvão.
É constituído por vários tipos de construções funerárias e de enterramento: sepulturas temporárias, sepulturas perpétuas, ossários municipais, cendários, jazigos municipais e jazigos particulares, além da cripta subterrânea.
A entrada do cemitério está ornamentada com quatro esculturas de autoria desconhecida, dispostas em nichos na parte interior do muro que representam a Verdade e a Fortaleza, ladeando o portão à direita e no lado oposto, as alegorias à Justiça e à Esperança.
No exterior da Capela encontram-se mais quatro alegorias: à esquerda, a figura escultórica simboliza a Oração; a ladear a entrada encontram-se a Fé e a Humildade; à direita a Caridade.
Evocações e Homenagens
Neste cemitério estão sepultados grande número dos que faleceram no antigo Sanatório da Ajuda e nos Hospitais Militares.
Os jazigos particulares são as construções mais interessantes em termos arquitectónicos.
De realçar o mausoléu de homenagem aos que sucumbiram na Revolta de 14 de Maio de 1915, que repôs o cumprimento da Constituição de 1911, depôs o governo do general Pimenta de Castro, substituído pela Junta Constitucional de 1915 e destituiu Manuel de Arriaga do cargo de Presidente da República. Teófilo Braga foi o sucessor, após as eleições.
Três dos mais emblemáticos jogadores de futebol do século passado: Mestre, Pepe e Matateu foram imortalizados num jazigo de homenagem do Clube de Futebol Os Belenenses.
Um pequeno jazigo ossário evoca o trágico naufrágio na barra do Tejo em Março de 1915, onde perderam a vida três pilotos.
Algumas Figuras de Relevo que Repousam no Cemitério da Ajuda
Entre as figuras mais relevantes que se encontram aqui inumadas quer em jazigos de família ou mausoléus de homenagem, enumeramos alguns:
Gago Coutinho (1869-1959), almirante, historiador e cartógrafo que foi pioneiro na aviação portuguesa ao fazer a primeira travessia do Atlântico Sul no hidroavião Lusitânia, em conjunto com o aviador Sacadura Cabral.
Logo ao lado, encontramos a última morada do escritor e jornalista Rocha Martins (1879-1952) que doou o seu espólio bibliográfico à associação Voz do Operário.
Plácido Abreu (1903-1934), militar e piloto aviador que morreu precocemente após uma queda de avião durante um campeonato mundial de acrobacia aérea em França, está sepultado num jazigo de família.
Pouco conhecida, mas não esquecida, Maria Benedita Mouzinho de Albuquerque Faria Pinho (1865-1939), escritora, professora, activista republicana, sufragista, amiga de Ana de Castro Osório e neta do antigo ministro Mouzinho de Albuquerque.
Percorrendo ruas ladeadas por oliveiras chegamos ao ossário onde se encontra o pintor ceramista José António Jorge Pinto (1875-1945), autor de muitos dos azulejos em estilo Arte Nova que embelezam vários edifícios, particularmente na zona metropolitana de Lisboa.
Noutro ossário, situado numa das belas zonas do cemitério com vista sobre o Tejo, encontra-se o estudante, José Ribeiro dos Santos (1946-1972), assassinado pela PIDE em 1972, com apenas 26 anos de idade.
No campo das artes, destaca-se o escultor modernista Álvaro de Brée (1903-1962), cujo jazigo, em estilo neogótico, obra de arquitectura muito interessante, é embelezado com pequenas corujas.
Por sua vez, o almirante Américo Tomás (1894-1987), último Presidente da República do Estado Novo, está sepultado num jazigo de família que tem a particularidade de estar decorado com pequenos morcegos, nas laterais do frontão.
Domingos Parente da Silva (1836-1901), arquitecto municipal, responsável por projectos de remodelação do Mosteiro dos Jerónimos, do Palácio da Ajuda do edifício dos Paços do Concelho de Lisboa, entre outras obras da sua autoria, sobressai o magnífico pórtico do Cemitério dos Prazeres. Repousa num jazigo de homenagem, talvez um dos mais interessantes deste cemitério.
Decoração e Simbologia no Cemitério da Ajuda
Encontram-se várias construções, decoradas com instrumentos de trabalho, alusivas a diversas profissões, ferreiro, pedreiro, açougueiro ou mercador, por exemplo.
O curioso jazigo do caçador do rei D. Luís I, único exemplar conhecido, com detalhes alusivos a essa prática, como o cão, a lebre, o faisão, a trombeta, a tocha e a espingarda, esculpidos com grande qualidade.
Outras construções estão embelezadas com elementos de simbologia ligada à morte e à imortalidade, como as caveiras, as ampulhetas que podem estar representadas com asas de anjo ou pássaro (dia) ou de morcego (noite), tochas invertidas, ouroboros, foices, entre outros.
De notar ainda, simbologia ligada à mitologia clássica, como o caduceu de Hermes, o mensageiro dos deuses do Olimpo.
Representações religiosas, como anjos, Nossa Senhora da Conceição, Nossa Senhora de Fátima, S. José, Santo António, alegorias às três virtudes (Fé, Esperança e Caridade) e até uma Rainha Santa Isabel com as rosas no regaço.
Tal como os outros cemitérios históricos de Lisboa, o Cemitério da Ajuda é um verdadeiro museu ao ar livre, que nos dá a conhecer algumas das etapas mais interessantes da nossa história dos últimos dois séculos até aos nossos dias.
Conheça curiosidades, actividades e visitas temáticas a cemitérios históricos no Grupo de Cemitérios de Lisboa.
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Ema Câmara
Historiadora na Divisão de Gestão Cemiterial da Câmara Municipal
Faz investigação sobre os sete cemitérios do município e colabora com actividades de divulgação cultural e visitas comentadas.