Artigo original publicado em 19/11/2021
A Biblioteca de Alcântara faz parte da Rede de Bibliotecas Municipais de Lisboa, é a terceira maior biblioteca pública da cidade e abriu as suas portas, no dia 5 de Outubro de 2020.
Este projecto, que vinha a ser desenvolvido desde 2018, contou com grande participação da população, que foi convidada a manifestar-se partilhando as suas sugestões para a ocupação deste espaço.
Também as instituições da zona intervieram, colaborando com ideias e estabelecendo parcerias.
Assim, foi inaugurada, apesar da pandemia, no dia em que se assinalaram os 110 anos da Implantação da República.
A data não foi aleatória e na verdade não poderia ser mais oportuna!
O Bairro de Alcântara
A zona ocidental da cidade foi outrora constituída por terrenos pertencentes à coroa que ao longo do tempo a foi retalhando e atribuindo a nobres que, por sua vez, ali construíram os seus palácios de veraneio. Destes restam alguns, outros perderam-se, subsistindo apenas a sua memória em gravuras e documentos antigos.
Apesar do terramoto de 1755 não ter sido particularmente violento nesta zona da cidade, o Paço que existia onde hoje é o Largo do Calvário, ruiu e das construções que o compunham apenas estão de pé as antigas cavalariças, edifícios que formam a frente sul do dito largo.
Após a tragédia, este lado da cidade, por ter sido menos atingido, atraiu muita população desalojada e também elementos da nobreza que seguiram o exemplo da família real que escolheu esta zona para erigir o novo Palácio da Ajuda.
A área foi então urbanizada seguindo o modelo da baixa pombalina, de ruas paralelas e perpendiculares, sendo a linha ao longo da antiga ribeira de Alcântara e do rio Tejo ocupada por indústrias.
Estas construções formaram a primeira cintura industrial de Lisboa e davam trabalho a uma população de gentes que vinham do interior do país e que por ali se fixavam, vivendo na mais profunda pobreza.
Esta ocupação de origem popular justifica a existência de instituições de apoio social como lactário, balneário público, creche… cujos vestígios se encontram ainda bem presentes.
Saiba mais sobre os lactários, um equipamento social tão importante na época, no nosso artigo Museu do Lactário de Lisboa.
Neste contexto, marcado por fracturantes desigualdades sociais e gritante miséria, surgiram entidades agregadoras dos mais desfavorecidos, como associações de trabalhadores e colectividades, que terão papel preponderante em lutas, ligadas primeiro ao movimento republicano e anarco-sindicalista, e mais tarde socialistas e comunistas que combatiam o regime ditatorial de Salazar.
Um dos marcantes episódios aconteceu na antiga Rua da Creche, onde o pintor comunista José Dias Coelho (1923-1961) foi assassinado pela PIDE, em Dezembro de 1961, acto hediondo que serviu de mote ao tema musical de José Afonso, A Morte Saiu à Rua.
É nesta artéria, que após Abril de 1974 recebeu o nome do artista, que encontramos instalada no antigo Palacete dos Condes de Burnay, a Biblioteca de Alcântara.
Palacete dos Condes de Burnay, Morada da Biblioteca de Alcântara
Sobre este nobre edifício desconhecem-se os nomes do seu arquitecto assim como do seu primeiro proprietário. Contudo, são conhecidas outras curiosidades e ocupações.
Neste edifício de gosto neo-clássico do séc. XIX, funcionou entre 1934 e 1973 a Escola Comercial Ferreira Borges. Uma escola técnica, particularmente importante dentro da comunidade, que preparou milhares de alunos para o mundo do trabalho, até ter mudado de instalações para a Rua Jau e acabado por se integrar no ensino secundário normal. Durante todas essas décadas o Ministério da Educação pagou aluguer do espaço à sua proprietária, a família Burnay.
Em 2012 a Câmara Municipal de Lisboa adquiriu o imóvel com a intenção de ali instalar a nova Biblioteca de Alcântara. Porém o edifício permaneceu alguns anos devoluto. O projecto de requalificação da autoria da arquitecta Margarida Grácio Nunes chegou em 2019 e foi premiado com uma menção honrosa de Melhor Intervenção de Impacto Social do Prémio Nacional de Reabilitação Urbana 2020.
O resultado é um espaço agradável que em simultâneo se afirma contemporâneo mas respeitador da traça original, o que lhe confere um charme particular que convida a permanecer.
Do conjunto merecem particular destaque o jardim e a sala Monteiro Serra.
No primeiro uma fonte-cascata romântica decorada com pedras e conchas coloridas, convive com uma intervenção escultórica de José Pedro Croft e ainda um grande mural de arte urbana de EDIS One que visa sensibilizar para a protecção dos golfinhos do Estuário do Tejo.
Já no interior a sala Monteiro Serra impressiona pelo magnífico tecto de estuque trabalhado, onde frutos e peças de caça denunciam a antiga utilização do espaço como sala de jantar da casa. Nas paredes pinturas afresco transportam-nos para Sintra, ali estão representados o Palácio da Pena e o Chalé da Condessa d’Edla.
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Mais que uma Biblioteca
Para além do serviço normal de consulta e empréstimo de livros, a Biblioteca de Alcântara constitui-se como um espaço de cultura mais abrangente e de proximidade com a população do bairro.
O edifício dispõe das tradicionais salas de leitura mas também de salas multiusos e de computadores, um espaço infanto-juvenil para leitura, jogos e outras actividades, loja, galeria de exposições e ainda o jardim, preparado para sessões de cinema ao ar livre o que se traduz numa oferta variada.
Aqui também funcionam a Universidade Sénior de Alcântara, um Coro Infantil/Juvenil, um grupo de Teatro Comunitário, aulas de yoga… e muito mais, envolvendo assim a comunidade local.
A Biblioteca da Alcântara está aberta e disponível para acolher novas propostas… quem sabe, e porque não um dia, o seu projecto!
Para informações úteis e actividades da biblioteca consulte o seu website.
Sugerimos que conheça outras bibliotecas de Lisboa no artigo 5 Bibliotecas Municipais, Espaços de Cultura entre Paredes com História.
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