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As cores da calçada portuguesa são determinadas pelas pedras utilizadas nas suas composições, sendo estas maioritariamente pretas e brancas. Verificam-se também calçadas coloridas, mas estes exemplos em Lisboa são, comparativamente, em menor número. Vamos observar alguns deles, no entanto, há um que merece o nosso olhar atento…
O Preto e Branco
Em A Origem da Calçada Portuguesa e os seus Primeiros Exemplares vimos como esta arte nasceu em Lisboa, lugar de onde também provinha a matéria-prima para a sua elaboração, basalto e calcário branco, ambos abundantes nesta região.
“Para tudo ser lisboeta na arte do calcetamento, até a matéria prima é lisboeta também. O calcário vem de Monsanto, das velhas pedreiras do Sabido, de Campolide, ou da Fonte Santa. Há também cálcareo bom em Odivelas e Paço de Arcos. O basalto vem quási exclusivamente de Monsanto, mas também há algum em Odivelas. Nalguns raros casos tem-se substituído o basalto pelo calcário preto de Mem Martins.”, Revista Municipal de Lisboa, Nº2, 1939.
Contudo, com a expansão da capital muitas das pedreiras foram desactivadas ou urbanizadas, passando, por isso, a haver necessidade de recorrer a locais mais distantes para o fornecimento do material.
Mais tarde, o basalto começou a ser substituído pelo calcário preto, uma rocha mais fácil de trabalhar.
Este facto, mudou o aspecto da calçada portuguesa porque até então o negro do basalto conferia um contraste mais intenso com o branco que o do calcário preto que se apresenta em gradações de cinzento, como se observa nas composições mais recentes.
A diferença de tons entre estes dois tipos de rocha pode ser facilmente identificada, quando se verifica a utilização do calcário na reparação das antigas calçadas de basalto que ainda subsistem como acontece na Praça Duque da Terceira, no Cais do Sodré.
No que toca à concepção gráfica, a utilização do preto e branco varia. Nos padrões dos primeiros exemplares observava-se um equilíbrio entre o preto e branco, dos quais são exemplos o ziguezague da Parada do Castelo de São Jorge, já desaparecido, e o Mar Largo do Rossio.
Coexistem modelos antigos, mais raros, de desenho branco sobre fundo negro, como é o caso do Cais do Sodré. Mas, maioritariamente, os desenhos são negros sobre fundo branco o que contribui em grande parte para o aumento de superfícies claras na cidade que reflectem não só a luz como as cores das fachadas e dos telhados dos edifícios, um dos importantes factores para que a tão fascinante magia da luz lisboeta possa acontecer.
Contudo há casos em que a utilização de calcários que variam entre os vários tons de cinzento, vermelho, amarelo, laranja… pontuam ruas e praças de forma surpreendente.
As Cores da Calçada Portuguesa da Rua Lopes de Mendonça
Dos exemplares policromáticos que existem em Lisboa, o da Rua Lopes de Mendonça, em Alvalade, é o mais colorido e único.
Ao longo do passeio, de cerca de 100m de comprimento, que acompanha a Escola Básica de São João de Brito, temos uma composição que inclui uma grande variedade de cores: preto, cinzento, amarelo, laranja, vermelho… sobre fundo branco.
Este trabalho, que nos lembra um bordado, é constituído por uma cercadura de heras negras interrompidas por tulipas e girassóis que envolvem borboletas e flores que nos sugerem as populares sardinheiras.
Se num primeiro momento somos atraídos pela particularidade das cores da calçada portuguesa desta via, num olhar mais atento observamos que se trata de uma produção que revela enorme dedicação, criatividade, gosto pela arte de calcetar e o domínio das técnicas de aparelhamento das pedras pelos artesãos calceteiros. Ora vejamos os detalhes.
Tulipas
A aplicação de cores ou tons distintos e a introdução de pequenos apontamentos a preto ou cinzento marcam as faces internas e externas das pétalas das 12 tulipas existentes. É ainda de salientar o extraordinário pormenor das pontas e bordas das folhas enroladas.
Borboletas
As conjugações de cores nas várias partes do corpo tornam as 14 borboletas que resultam do mesmo molde, todas diferentes entre si.
Sardinheiras
As folhas das 15 flores (uma das quais incompleta) apresentam um contorno feito minuciosamente de pequenos paralelepípedos cinzentos escuros que é preenchido com pedras de tom mais claro. Cada uma das pétalas possui uma linha fina no meio que enriquece a volumetria do desenho. Espantosamente as figuras geométricas que formam o olho de cada uma das flores é única.
Girassóis
O amarelo e o cinzento pálido não permitem que os girassóis tenham grande destaque do fundo claro, mas o pormenor do axadrezado do centro destas flores levou-nos a observá-las mais atentamente.
A nossa grande admiração pela técnica e dedicação no talhar das pedras que compõem cada um destes elementos cresceu ainda mais, quando, surpreendentemente, reparámos que dois dos 15 girassóis possuem um centro formado por pequenos cilindros encaixados em cubos com lados curvos.
Estes pormenores de puro virtuosismo técnico reproduzem o desenho dos girassóis e dá volumetria aos mesmos.
De facto, a riqueza deste conjunto não se resume apenas na variedade de cores, mas também nas difíceis técnicas de aparelhamento, sem as quais não seria possível a execução de todos os pormenores nele contidos.
Para além da técnica do malhete, que consiste em aplicar pedras de formas irregulares, de tamanho variável e cortadas de modo a encaixarem perfeitamente, podemos ainda observar a do sextavado em que estas são trabalhadas no formato hexagonal. Hoje, apenas a segunda é usada em alguns trabalhos artísticos e decorativos.
Quanto à data desta rara obra, fotografias da época e vestígios de alguns elementos na entrada da escola indicam-nos que foi feita após o término da construção da mesma em 1956.
A fotografia do Arquivo Municipal de Lisboa de 1968 mostra-nos a calçada antes do plantio das árvores que sacrificou partes desta.
Cabe-nos ainda referir que há componentes que não foram repostos após intervenções no pavimento, talvez pela exigência técnica que esta calçada requer. Mas a raridade desta autêntica obra de arte, merece, sem dúvida, a sua preservação e manutenção com o mesmo cuidado e dedicação com que foi concebida.
Curiosidade:
No remodelado jardim do Campo Mártires da Pátria, em plena Colina de Santana, podemos encontrar, entre outros motivos, uma sardinheira e uma borboleta bicolores e três borboletas e dois girassóis pretos idênticos aos da Rua Lopes de Mendonça. Contudo, não se verificam os detalhes definidos pela variedade cromática, nem as particularidades dos centros das flores.
Cores da Calçada Portuguesa – Outros Exemplos em Lisboa
Por Lisboa existem outros exemplos de calçadas policromáticas ou que apresentam cores sem ser o tradicional preto e branco.
- Na zona de Belém temos à volta do chafariz do Jardim da Praça do Império, dezenas de motivos a cinza e amarelo. E na praça onde estão localizados o Planetário e o Museu da Marinha podemos observar um padrão geométrico executado a branco, rosa e dois tons de cinzento;
- Em plena Rua das Portas de Santo Antão nas proximidades do Coliseu dos Recreios, na Baixa de Lisboa, uma calçada composta por pedras pretas e vermelhas alude às artes performativas;
- No Jardim Cesário Verde, na Freguesia de Arroios, existem vários elementos decorativos coloridos como corações de Viana, uma guitarra, um gato, uma borboleta e motivos vegetalistas;
- No centro do adro da Igreja da Nossa Senhora da Luz, em Carnide, a representação de uma fonte é rodeada de um padrão geométrico formado de calcários pretos e vermelhos;
- Da zona norte da cidade, na Freguesia de Olivais, destacamos dois exemplares: um na Praça Cidade do Luso e outro na Rua Capitão-Tenente Oliveira e Carmo.
Outros exemplares poderiam ser referidos; procure-os e partilhe connosco! 😉
Destacamos ainda dois trabalhos fora do âmbito dos pavimentos em que as cores da calçada portuguesa fazem parte de peças artísticas: os painéis modernistas de Maria Keil executados para a Cervejaria Trindade aquando da sua remodelação entre 1945 e 1948, e o tributo a Amália localizado na Rua São Tomé em Alfama, realizado por Vhils em 2015.
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