Sabia que Lisboa tem poesia em bancos de jardim? É verdade, estes equipamentos urbanos destinam-se não só a permitir um momento de descanso como também a ser lidos.
Talvez lhe tenham passado despercebidos já que estes bancos não são particularmente vistosos.
Contudo, uma coisa os torna especiais, nos seus assentos estão inscritos poemas inspirados no mar, no Tejo e em Lisboa, da autoria de nomes consagrados da literatura de expressão portuguesa.
Esta peculiar iniciativa partiu da Fundação Paço D’Arcos que os ofereceu à cidade de Lisboa em diferentes alturas.
Faça uma visita guiada às zonas históricas de Lisboa e conheça locais imperdíveis desta magnífica cidade.
Fundação Paço D’Arcos
A Fundação Paço D’Arcos surgiu da vontade do filho de Henrique Belford Correia da Silva (1906-1993), 2.º conde de Paço de Arcos, escritor e poeta que assinava Anrique Paço d’Arcos.
Esta fundação criada em 1991 tem como objectivo principal a difusão cultural e artística entre cidadãos de países de expressão portuguesa e a salvaguarda do seu património constituído por uma biblioteca de 7 mil exemplares e manuscritos, hoje à guarda da Câmara Municipal de Cascais.
Possui ainda uma vasta colecção de obras de artistas portugueses e estrangeiros, da qual fazem parte nomes incontornáveis como Graça Morais, Vieira da Silva, Paula Rego, Júlio Pomar, João Cutileiro…
Poesia em Bancos de Jardim
Vamos, então, revelar-lhe os locais onde pode encontrar poesia em bancos de jardim.
Jardim da Estrela
O banco mais antigo encontra-se no Jardim da Estrela e tem inscrita a data de 13 de Maio de 1995, dia que coincide com o 2º aniversário da morte de Anrique Paço d’Arcos.
Ali podemos ler um dos seus poemas:
Evasão
Não fui ao jardim, / Mas voltei do jardim com uma rosa na mão; / Não fui ao mar, mas regressei das ondas / Com todo o sal do mar nas minhas lágrimas; / Não fui à guerra, mas voltei da guerra / Sem coração… / Um dia está para chegar / Em que hei-de ir e não hei-de voltar…
Anrique Paço D’Arcos
Jardim das Amoreiras
Três anos depois, a 13 de Maio de 1998, surge mais um banco, desta vez no Jardim das Amoreiras agora com um poema de Antero de Quental:
Quantas vezes, de súbito, emudeces! / Não sei que luz em teu olhar flutua, / Sinto tremer-te a mão e empalideces. / O vento e o mar murmuram orações / E a poesia das coisas se insinua / Lenta e amorosa em nossos corações.
Antero de Quental
Jardim da Torre de Belém
Os nove bancos, localizados junto à Torre de Belém, datam de 31 de Dezembro de 1999.
Nesta intervenção mais expressiva encontram-se registados poemas de: Teixeira de Pascoaes; Alexandre O’Neil; Fernando Pessoa; Sophia de Mello Breyner Andresen; Eugénio de Andrade; Paço D’Arcos; António Nobre; David Mourão Ferreira e Manuel Alegre.
Ó mar, à luz do luar! Ó mar profundo / Em choros que se espalham sobre o mundo! / Ó anjo imenso que, na mão, sustentas / O cálix da amargura e das tormentas!
Teixeira de Pascoaes
Congresso de gaivotas neste céu / Como uma tampa azul cobrindo o Tejo / Querela de aves, pios, escarcéu / Ainda palpitante voa um beijo / Donde teria vindo? (não é meu…) / De algum quarto perdido no desejo? / De algum jovem amor que recebeu / mandato de captura ou de despejo?
Alexandre O’Neil
Onda que, enrolada, tornas / pequena, ao mar que te trouxe / e ao recuar te transtornas / como se o mar nada fosse. / Por que é que levas contigo / só a tua cessação, / e, ao voltar ao mar antigo, / não levas meu coração?
Fernando Pessoa
Vi as águas os cabos, vi as ilhas / E o longo baloiçar dos coqueirais / Vi lagunas azuis como safiras / Rápidas aves furtivos animais / Vi prodígios espantos maravilhas / Vi homens nus bailando nos areais / Vi o frescor das coisas naturais / Só do Preste João não vi sinais
Sophia de Mello Breyner Andresen
Vêm morrer à praia e são jovens / as sereias, / jovens como andar à chuva, / a brusca melancolia, / o lume aceso da cal, / jovens como as baladas escocesas / ou as molhadas sílabas de Junho, / e com a lua nova / vêm morrer no areal.
Eugénio de Andrade
Noite Negra, negra noite / Ai dos que vão pelo mar! / Menina dos olhos tristes / Acenda as velas no altar / Que Deus vele pelas velas / Que andam perdidas no mar! / Menina dos olhos tristes / A quem o noivo deixou / Reze por ele… (quem sabe / Se nas ondas naufragou?!)
Paço D’Arcos
As algas negro cerrado / que eu trouxe da beira-mar / guardo-as num missal doirado / onde costumo cismar. / Às vezes, triste e cansado / quando o vou a folhear, / dentro do livro encantado /eu oiço as algas chorar…
António Nobre
Por mim não quero já missão nenhuma / senão tal jogo de onda e mais onda / a surpresa da espuma / e a profunda / tentação de morrer em cada onda!
David Mourão Ferreira
Eu vivo lá longe, longe / onde passam os navios / mas um dia hei-de voltar / às águas dos nossos rios.
Manuel Alegre
Castelo de São Jorge
Em 2003, dez anos passados sobre a morte de Anrique Paço D’Arcos, a Fundação e a Câmara Municipal de Lisboa promovem nova homenagem desta vez no Castelo de São Jorge.
Trata-se de três bancos onde um poema de Sophia de Mello Breyner se pode ler em três línguas:
Português
Digo: “Lisboa” / Quando atravesso-vinda do sul – o rio / e a cidade a que chego abre-se como se do seu nome nascesse / abre-se e ergue-se em sua extensão nocturna / em seu longo luzir de azul e rio / em seu corpo amontoado de colinas / … / Lisboa com seu nome de ser e de não-ser / com seus meandros de espanto insónia e lata / e seu secreto rebrilhar de coisa de teatro / seu conivente sorrir de intriga e máscara / enquanto o largo mar a ocidente se dilata / Lisboa oscilando como uma grande barca / Lisboa cruelmente construída ao longo da sua própria ausência
Inglês
I say: “Lisbon” / when I arrive from the south and cross the river / and the city opens up as if born from its name / it opens and rises in its nocturnal vastness / in its long shimmering of blue and of river / in its rugged body of hills / … / Lisbon with its name of being and nonbeing / with its meanders of astonishment insomnia and shacks / and its secret theatre sparkle / its masklike smile of intrigue and complicity / while the wide sea stretches westward / Lisbon swaying like a sailing ship / Lisbon cruelly built next to its own absence
Francês
Je dis: “Lisbonne” / Quand j’arrive du sud et traverse le fleuve / et la ville s’ouvre comme si elle naissait de son propre nom / elle s’ouvre et se dresse dans son étendue nocturne / dans son long scintillement d’azur et de fleuve / dans son corps amoncélé de collines / … / Lisbonne avec son nom d’étre et de non-étre / avec ses méandres de merveille insomnie et ferraille / et son éclat secret de chose theatrale / son sourire complice de masque et d’intrigue / tandis qu’à l’óccident la vaste mer s’élarge / Lisbonne oscilante comme une grande barque / Lisbonne cruellement batie autour de sa propre absence
Sophia de Mello Breyner
Rua Arnaldo Ferreira, Lumiar
Nas imediações do Parque das Quintas das Conchas e dos Lilases, mais precisamente na Rua Arnaldo Ferreira foram instalados oito bancos de jardim com poesia. Datam de 2 de Setembro de 2005, um ano antes de se completar o centenário do nascimento de Anrique Paço D’Arcos.
Sob o tema Amar o Mar aqui encontramos a poesia de oito escritores lusófonos: Fernando Pessoa representante de Portugal; Corsino Fortes de Cabo Verde; Xanana Gusmão de Timor; Arlindo Barbeitos de Angola; Pascoal D’Artagnan Aurigemma da Guiné Bissau; Francisco José Tenreiro de São Tomé e Príncipe; Mia Couto de Moçambique e Manuel Bandeira do Brasil.
Mar Meu
Estou em guerra / o céu não é meu / estou em guerra / o mar não é meu / estou em guerra / e a vida só se conquista / com a morte… / na esperança de recuperar / o meu mar!
Xanana Gusmão – Timor
Corpo Moreno
… / como a minha ilha é o teu corpo mulato / tronco forte que dá / amorosamente ramos, folhas, flores e frutos / e há frutos na geografia de teu corpo / … / és tu minha ilha e minha África / forte e desdenhosa dos que te falam à volta.
Francisco José Tenreiro – São Tomé e Príncipe
Mar Português
Ó mar salgado, quanto do teu sal / são lágrimas de portugal! / Por te cruzarmos, quantas mães choraram, / quantos filhos em vão rezaram! / Quantas noivas ficaram por casar / para que fosses nosso, ó mar! / Valeu a pena? Tudo vale a pena / se a alma não é pequena.
Fernando Pessoa – Portugal
Ilha
Tenho a sede das ilhas / e esquece-me ser terra / meu amor, aconchega-me / meu amor, mareja-me / depois, não / me ensines a estrada. / A intenção da água é o mar / a intenção de mim és tu.
Mia Couto – Moçambique
O Cantar Miserável da Noite no Cais
… / barco veio: de onde? / Não interessa saber irmão / não interessa. / Se cais não houvesse / gente anónima não tinha no cais / nunca / nunca gente poderia ouvir / a história que mar salgado deveria contar.
Pascoal D’Artagnan Aurigemma – Guiné Bissau
Poemeto Erótico
… / a todo o momento o vejo… / teu corpo… a única ilha / no oceano do meu desejo… / teu corpo é tudo o que brilha, / teu corpo é tudo o que cheira… / rosa, flor de laranjeira…
Manuel Bandeira – Brasil
Na Leveza do Luar Crescente
A nossa terra / é um imenso oceano tropical / que do Índico ao Atlântico / a gente devagar / vai contornando em jangada / de vento e saudade / pelo tamanho do mar
Arlindo Barbeitos – Angola
Ilha
De manhã! As crianças da minha pátria / nascem / com oásis na palma da mão / e plantam ilhas / na boca do sol
Corsino Fortes – Cabo Verde
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Curiosidade
No Largo do Corpo Santo, entre o Cais do Sodré e a Ribeira das Naus, existem mais 5 bancos com poesia.Foram instalados por iniciativa da CML em 2017 e as frases pertencem a diversos poemas da Mensagem de Fernando Pessoa.
“Hoje a vigília é nossa”
in Mensagem – D. Afonso Henriques
“Busca o oceano por achar”
“É a voz da terra ansiando pelo mar”
in Mensagem – D. Dinis
“As nações todas são mistérios”
in Mensagem – D. Tareja
“Aqui ao leme sou mais do que eu”
in Mensagem – O Monstrengo
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