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As Lojas do Chiado e da Baixa: imagens de várias lojas tradicionais

As Lojas do Chiado e da Baixa

As lojas do Chiado e da Baixa são hoje o tema deste artigo do sociólogo e profundo conhecedor da cidade de Lisboa, Guilherme Pereira. Aqui não encontraremos uma enumeração das lojas históricas, lista hoje sempre desatualizada dado o número de estabelecimentos que encerram portas, finitude natural inerente a todas as coisas e também consequência da grande pressão imobiliária decorrente de um turismo de massas incontrolável. Definitivamente Lisboa está na moda e isso tem o seu preço. Contudo persistem como um património vivo, cuja localização tem origens remotas, por razões por vezes inusitadas.
Embrenhe-se neste convite que o autor e guia dos percursos “Chiado das Lojas Elegantes e da Moda” e “Baixa, Ofícios e Tradição I e II” lhe dedica e atreva-se a acompanhá-lo pelo Chiado e pela Baixa, conhecendo as suas estórias e o seu saber através das magníficas lojas tradicionais que teimam em sobreviver.

As Lojas do Chiado e da Baixa – Património Vivo, Útil e do Nosso Quotidiano

Chiado e Baixa de hoje completam-se nos comércios e serviços que oferecem: mais comuns e práticos na Baixa e de artigos especiais e que só ali se encontram e no Chiado mais de elite e de moda, das artes, os Teatros São Carlos, São Luiz e Trindade, das agremiações diversas como o Grémio Literário, museus, bibliotecas e livrarias.

Na Baixa eram as classes médias, liberais, mercantis e laboriosas, hoje substituídas por hordas de turistas; no Chiado as elites, as vanguardas, os criativos e artistas vários. Desde o séc. XIX e ainda hoje. Se a globalização e o turismo de massas está a alterar tudo isto, ainda subsistem traços e marcas. Património vivo, útil e do nosso quotidiano, partilhado por forasteiros.

Do ponto de vista patrimonial, é a loja ou estabelecimento comercial, espaço físico, construído, mobilado, equipado, decorado, mas não só. Do ponto de vista económico e laboral é a firma, a marca que garante uma experiência e reputação, a actividade ou ofício que ali é praticado e nos atende quando precisamos.

Lojas tradicionais da Baixa: Salão Londres; Drogaria Central; Fanqueiro Afonso

Ourivesarias, farmácias, livrarias, cafés, ginjinhas, retrosarias, casas de modas e de tecidos são certamente das mais decoradas e vistosas, mas não só. Património vivo, útil e do nosso quotidiano que fazem parte da nossa memória e da nossa vida.

Apreciar as fachadas, as montras, reclames, móveis, decorações. Mas também falar do que ali se vende ou fabricava, dos ofícios, das modas. Contar algumas estórias, tradições, usos e costumes. E vamos só ver e falar das lojas do Chiado e da Baixa que ainda existem.

Mas vamos também falar do que não está à vista mas se sabe. As farmácias que sucederam às boticas medievais e que por um saber adquirido nas universidades do séc. XIX, eram locais de tertúlia dos seus directores técnicos – os farmacêuticos – pessoas respeitadas e influentes no meio local, e que conforme as suas tendências políticas, ora reuniam republicanos, ora monárquicos, dos diversos partidos…

Mas tertúlias também as havia nas livrarias – Aquilino Ribeiro na Bertrand reunia uma – ou nos cafés – a Brasileira famosa pelos círculos de artistas e intelectuais que congregava. Se das proibidas Conferências do Casino – ao Largo Rafael Bordalo Pinheiro, subsiste em frente o Círculo Eça de Queirós e mais adiante o Grémio Literário, para não falar de outros mais discretos e sem placa à porta, património vivo mas reservado a elites.

As sapatarias sempre foram muitas por aqui, mas que sempre foram mais para senhoras – e algumas só para senhoras – mas que não existem nem existiram sapatarias só para homens, é do conhecimento geral e dos profissionais do sector: é que eles compram sapatos só quando se gastam, mas as senhoras por uma questão de moda e de estação, compram habitualmente pelo menos dois pares por ano… Modas, usos e costumes que constituem parte do “património vivo e imaterial”.

As sapatarias eram lojas elegantes e bonitas, algumas com fachadas e decoração esmeradas, que rivalizavam com as ourivesarias e pastelarias, a fim de atraírem as clientes, para a aquisição desse artefacto da elegância feminina que é o sapato.

Hoje muitas sapatarias foram substituídas por “armazéns” que em self-service expõem em cima de caixas de sapatos empilhadas, um modelo que depois está guardado em diversas medidas nas caixas por debaixo… Perdeu-se em distinção o que se substituiu por rápido, útil e barato! Modas, que muito dizem dos usos e costumes das respectivas épocas.

Lojas tradicionais da Baixa: Manteigaria Silva; Ginja Rubi; Casa Forra
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Na Baixa todos conhecem as ruas com nomes de profissões e ofícios que aí funcionavam: Sapateiros, Fanqueiros, Bacalhoeiros, Douradores, da Prata ou dos prateiros, do Ouro ou dos ourives.

Mas uma ligação mais curiosa e subtil é a da colina de Santa Catarina e por extensão a da colina de São Roque ou Bairro Alto, aos jornais, gráficas e tipografias que aí existiam até ao séc. XX: é que desde o séc. XIV/XV que a confraria dos livreiros e editores, tendo por patrona Santa Catarina de Alexandria ou do Monte Sinai, estava adstrita a esta zona da cidade – a antiga paróquia e freguesia de Santa Catarina.

Por tradição mantêm-se aí ainda antiquários-livreiros e por associação antiguidades, galerias de arte e gravuras, que atraem também certos turistas. Assim, o Chiado ou colina de São Francisco têm ainda muitas livrarias e tem dois museus – o de Arte Contemporânea e o da Igreja de São Roque: tudo está ligado desde há muito, se encadeia, relaciona, subsiste e se renova, permanecendo num património vivo, útil, do nosso quotidiano mas também curioso e belo que só se nos revela quando o vemos com “outros olhos”.

As lojas do Chiado e da Baixa precisam e merecem a sua visita!

Guilherme Pereira
Nascido em Lisboa em 1953, sociólogo, fez o levantamento das Lojas da Baixa e Chiado entre 2008 e 2012 para o GEO – Gabinete de Estudos Olisiponenses e desenvolveu cerca de 50 itinerários sobre Lisboa para a Câmara Municipal de Lisboa. Hoje continua a criar percursos, colaborando com diversas entidades como guia entusiasta e apaixonado pelos inúmeros temas que a cidade inspira.

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