Em Lisboa em Nós de Agnaldo Lima, este baiano radicado em Lisboa, revela-nos o seu coração português através das suas palavras.

Lisboa em Nós de Agnaldo Lima

O nosso convidado desta semana transborda poesia. Em Lisboa em Nós de Agnaldo Lima, este baiano radicado em Lisboa há cerca de 30 anos, revela-nos o seu olhar estrangeiro através das suas belas fotografias e o seu coração português através das suas palavras.

Um olhar estrangeiro

Os passos, distribuindo rastos,
adivinham o chão por onde se desenham
e tornam-se cúmplices do olhar.

O olhar desnuda a cidade,
resgatando à luz,
detalhes que o tempo esqueceu.

Os passos são leves, calmos, não ligeiros.
O olhar, minuciosamente, analisa,
pois nada deve escapar a um olhar estrangeiro.”

Agnaldo Lima

Senti Lisboa em mim, pela primeira vez, em fevereiro de 1984.

Após o meu exílio voluntário, do Brasil, e uma estadia de catorze meses em Londres, pernoitei em Paris e, numa viagem de comboio, longa e cansativa, desembarquei em Santa Apolónia.

Aguardavam-me o cheiro do Atlântico, vindo do Tejo e o ruído de gaivotas, a sobrevoarem barcos que conduziam pescadores cansados.

A manhã explodia, com uma luz soberba e acariciante, a afugentar o inverno.

Lisboa entrou pelo meu olhar estrangeiro, como se fora um ancoradouro mágico e hospitaleiro, reservado, somente aos pintores, fotógrafos, amantes e poetas.

Os seus cheiros e ruídos penetraram os meus sentidos, apossando-se da minha alma, numa abordagem sensual.

No saguão da estação, um homem distribuía cartões de visita. Havia quartos disponíveis, na sua pensão (rua Luciano Cordeiro) e o transporte era gratuito.

Não aceitei, de pronto, a sua proposta. Lancei-me ao encontro doutras opções, atempadamente agendadas. Horas depois, vencido pelas infrutíferas buscas, toquei a sua campainha e fui recebido como se fora um príncipe, chegado de outro lado do mar.

Por algum tempo, ali foi a minha casa. Lá, fiz amigos, que me apresentaram outros amigos, alguns dos quais, ainda presentes, fiéis testemunhas das lembranças de outrora.

Conheci, assim, a ternura escondida na doce e tímida alma do povo português.

A Descoberta da Cidade

Bagagem desfeita, tomei da minha Nikon e saí à rua. Subi e desci colinas, desvendando uma Lisboa, ainda pacata, como que adormecida à margem do rio.

O meu olhar bebeu, com avidez, os telhados coloridos e as fachadas de azulejos dos casarios centenários.

As praças espaçosas, as ruas estreitas, os miradouros de tirar o fôlego, os becos e as ruelas dos bairros típicos e repletos de memórias eram tapetes vermelhos estendidos à minha frente.

O badalar dos sinos das igrejas ritmavam os meus passos nessa descoberta.

A arquitetura, única, lembrou-me os resquícios do colonial, espalhado pelos inúmeros recantos do Brasil.

Os monumentos despertaram-me factos históricos há muito adormecidos, desde as longínquas aulas de História, dos meus tempos de estudante.

Nessas andanças, visitei tascas e cafés onde me deixei absorver pelo delicioso sabor da sua gastronomia e o calor do vinho tinto que me aquecia os sentidos.

Comi pregos e bifanas, e bebi penaltis. Aprendi a pedir um pastel de nata, uma bica e um copo d’água e que… um “garoto”, nada mais era que um café com leite.

Senti-me em casa.

Passou-se um ano de altos e baixos, comuns a quem deixa o seu país e se aventura em novos olhares.

Certo dia, fui embora, mas eu já não era o mesmo!

A minha porta de saída foi a mesma por onde entrara – estação de Santa Apolónia.

Alguns amigos levaram-me um abraço de despedida, um bolo para a viagem e um buquê de cravos vermelhos.

Lisboa ficara em mim.

Regresso

Cinco anos depois, como quem retorna aos braços de um amor impossível, voltei.

A cidade se renovava. Aderia às cores e às novidades… emergia, enfim, do cinza no qual, por tanto tempo se confinara… parecia antever a globalização.

Reconciliámo-nos e Lisboa voltou a ser a minha casa. E, com um sorriso farto, abriu-me os braços, num terno abraço de quem perdoa.

Há três décadas vivo nesta cidade, transformada em pátria, a cidade que me acolheu.

Aprendi a ouvir o fado, adotei o Eça e aderi, com muito gosto, à ortografia local, cujo acordo veio baralhar tudo. Vez ou outra, com muito orgulho, nomeio-me embaixador e guia, sempre que os amigos a vêm visitar.

Tudo isso faz-me sentir integrado nesse cenário, coadjuvante que sou, de um enredo comum a tantos que contracenam, diariamente, nesse belíssimo palco que é Lisboa.

A gratidão é o meu jeito de celebrar e enaltecer o património humano, histórico, artístico e cultural, aqui absorvidos e o carinho dos amigos lusos – a família que o meu coração escolheu.

Mas, por mais que eu escrevesse ou falasse, entender o que sinto, só seria possível, através do brilho do meu olhar, quando o assunto é Lisboa.

Lisboa em Nós de Agnaldo Lima
Mini apresentaçãoNascido na Bahia, Brasil, na manhã de Natal de 1950, estudou fotografia no Camden Adult Education Institute, em Londres.
Vive em Lisboa, onde costuma olhar para a cidade através da objectiva.
Adora os prazeres simples da vida. Conviver com os amigos, à volta de uma taça de vinho tinto, é um deles.
Fotografar, ler, escrever e declamar poemas são a sua gastronomia da alma.
Um local inspiradorMiradouro São Pedro de Alcântara
Uma visita imperdívelIgreja de São Domingos, Casa do Alentejo, Igreja de São Roque e Pavilhão Chinês
Água na boca com…Caracóis doces, acompanhados de um galão
Uma música…Lisboa Menina e Moça, de Carlos do Carmo
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