Apresentamos um grande amigo, colaborador da getLISBON desde a primeira hora, com as suas imagens e ensinamentos. Em Lisboa em Nós de Luís Bayó Veiga, este apaixonado pela luminosa cidade das sete colinas, coleccionador de livros, revistas, bilhetes postais e diversos outros itens, com esta relacionados, revela-nos os seus dois olhares, os de hoje e os de ontem…
Lisboa dos meus olhares: os de hoje e os de ontem…
Acabei de chegar! Uma vez mais aqui estou, neste local amplo e soalheiro: a Praça Luís de Camões, com a estátua do príncipe dos poetas bem ao centro. Sítio de chegadas, local de encontros, ponto de partidas, para todos aqueles que frequentam o Chiado ou ocasionalmente, por aqui passam…
Subi a Rua do Alecrim desde o Cais do Sodré num ápice, sem canseiras. Para mim, que nasci em Lisboa, e que grande parte do percurso da minha vida tem sido feito nesta cidade, o sítio do Chiado é uma atracção, um repertório de olhares, memórias e vivências que fazem parte de mim.
É a partir daqui que organizo os meus passeios habituais pelos percursos que gosto de fazer vezes sem conta. Até ao Largo do Rato, subindo a Misericórdia e percorrendo a “Sétima Colina”, ou descendo a Garrett e pela Rua do Carmo, chegar ao Rossio e depois pelas ruas da Baixa. Em alternativa, me emaranhando pelo dédalo de ruas esquadrinhadas do Bairro Alto até ao Príncipe Real. Ou ainda, indo pelo Loreto, chegar até ao Alto de Santa Catarina e do seu miradouro sulista ver o Tejo a seus pés. Antes não posso deixar de dar um olhar ternurento pelo prazenteiro bairro da Bica, espreguiçado em declive até S. Paulo, e pela sua “Jóia da Coroa”, o elevador, cordão umbilical do bairro que lhe dá o nome.
Os Meus Dois Olhares
Ainda estou por aqui, sentado num banco da Praça, em reflexão matutina.
O meu razoável acervo bibliotecário de livros sobre Lisboa que possuo, aliado a milhares de reportes iconográficos que colecciono, entre os quais os bilhetes-postais ilustrados, fazem-me ter quase sempre, na Lisboa tradicional com que convivo, dois olhares de cada local ou recanto por onde passo.
O meu olhar do presente por onde germinam as novas lojas de comércio ocasional e oportuno, as pessoas apressadas e fechadas em si, o buzinar dos automóveis, os tuk-tuks, os autocarros, as lojas de gifts banais para turistas aos magotes (antes da pandemia), dos ruídos e dos gases que poluem a cidade.
E, em contraste, um meu outro olhar de um tempo que não foi meu, mas que existiu na longínqua Lisboa Oitocentista e que ficou registado em escritos de memórias, fotografias ou gravuras. Ali coexistiam as tipóias, as seges e os coupés com os carros “Americanos” e mais tarde com os eléctricos, paredes meias com a azáfama matinal do mercado da Praça da Figueira e, mais além, junto à Praça da Ribeira mesmo defronte ao Tejo, animado pelo corrupio das varinas que se reuniam desde o nascer da madrugada para a compra do peixe na lota. E depois, de canastras à cabeça, repletas de peixe tapado por oleados, partiam apressadas no seu sinuoso caminhar, descalças ou de tarocas, a caminho das suas freguesas espalhadas pelos bairros da cidade.
Em tempos mais recentes, ao longo das décadas de 50 e 60 do século passado, ainda convivi com a musicalidade de alguns pregões tradicionais, e do popular apregoar dos ardinas, ou já adolescente, me recordo do frenesim sentido pelo suave perfume de uma mulher elegante “en passant” no amadurecer da tarde, talvez ao encontro do seu grupo de amigas, para o “habitué” chá das 5 acompanhado por torradas, sorrisos, ditos e mexericos, algures numa das pastelarias finas que então proliferavam no Chiado: a Garrett, a Imperium, a Benard, a Carmelita, a Marques, a Baltresqui, a Ferrari, ou pela Baixa na Suiça ou no Palladium, das quais apenas sobrevive a Benard no Chiado…
Mais para lá do Chiado
Outros tempos, outros olhares, que cativei e guardo em mim, enquanto regresso agora, à realidade dos meus olhares de hoje…
Em boa verdade, há muito mais para lá do Chiado de que eu gosto da minha Lisboa:
Gosto da sua luz a nascente e dos tons alaranjados a poente, ao longo do caminhar do dia, claro que sim!
Do rio Tejo, véu de noiva da minha Lisboa irradiando palhetas de prata faiscantes em dias soalheiros, acompanhado pelo grasnar peculiar das gaivotas, seu hino da vida de cada dia, tendo por cima, o cenário azul do céu.
Tejo dos meus encantos, o qual, por viver em Almada, atravesso quase diariamente nos típicos cacilheiros, onde pelas suas janelas, renovo em cada viagem, o meu olhar pela panorâmica da Lisboa inteira ribeirinha…
E gosto dos prédios pombalinos com as suas fachadas austeras, alguns ainda com janelas de guilhotina.
Dos empedrados artísticos dos passeios, tão peculiares e identitários da minha Lisboa com destaque para a curiosa ilusão ondulante do empedrado do terreiro do Rossio.
Das imperdíveis panorâmicas sobre Lisboa, a partir dos miradouros de S. Pedro de Alcântara, do lado de cá e do Miradouro do Monte, do lado contrário, ou ainda da vista da colina do castelo, a partir do Martim Moniz.
E também gosto das lojas de comércio tradicional que ainda, estoicamente, sobrevivem e, nelas entrando, sentimos o “glamour” e o bom-tom da decoração interior, ou a saudação e cortesia do empregado com décadas de fidelização ao seu emprego de uma vida.
De frequentar as duas livrarias que ainda restam no Chiado: a Bertrand e a Férin, as quais até há poucos anos, rivalizavam com a Sá da Costa, a Portugal, a Aillaud, a Portugália, a Gomes que também existiam no Chiado, ou com as livrarias do Diário Notícias, do Século, a Romano Torres, da Francisco Franco ou a Parceria A. M. Pereira, que se situavam entre o Rossio e as ruas da Baixa, já todas desaparecidas!
Restam e resistem as lojas de alfarrabistas, na sua maioria espalhadas pelas ruas do Alecrim e Misericórdia, Calhariz e Calçada do Combro, que são meu poiso habitual em amiúdes visitas, onde sobre a temática de Lisboa, procuro o que há muito não encontro, ou descubro o que nem sabia que existia…
Bom, é tempo de partida deste local que hoje, foi o meu sítio de chegada e momento de escrever esta crónica.
O relógio, faz juz ao tempo e avança. Não houve oportunidade para falar sobre a outra Lisboa dos meus amores: seus bairros populares, com destaque para a Mouraria e Alfama. Talvez em outra oportunidade.
Vão sendo horas do meu início de caminhada. Por onde vou? Não sei bem.
Vou ao ritmo de cada passo, e por onde o olhar de hoje me prender ou a saudade de ontem me chamar…
Até.
Lisboa em Nós de Luís Bayó Veiga | |
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Mini apresentação | Nascido em Lisboa em 1948. Residente em Almada. Licenciado em Engenharia Química pelo IST. Duas Pós-graduações pelo ISCTE; Coleccionador de Banda Desenhada antiga portuguesa e de Postais Ilustrados sobre Lisboa, com milhares de exemplares nas suas colecções. Possui um acervo significativo de livros, jornais, revistas e complementos, relativos a Lisboa. Autor de alguns livros sobre memórias e História local de Cacilhas e Almada. Co-autor de mais de uma dezena de documentários sobre aspectos de Lisboa antiga em suporte multimédia. Sócio do Grupo dos Amigos de Lisboa. Frequentador assíduo de conferências, colóquios e outros, organizadas por diversas entidades públicas e privadas, no âmbito da Olisipografia. Curioso e amante de Lisboa. |
Um local inspirador | Miradouro de S. Pedro de Alcântara e miradouro das Portas do Sol, sobre Alfama |
Uma visita imperdível | Museu Nacional de Arte Antiga e todos os alfarrabistas de Lisboa |
Água na boca com… | Um pastel de bacalhau seguido de uma bifana acompanhado por “1/2 de branco” fresquinho… |
Uma música… | Lisboa Antiga música de Raul Portela, letra de José Galhardo e Amadeu do Vale, na voz de Hermínia Silva; O Homem das Castanhas, música de Paulo de Carvalho e letra de Ary dos Santos, na voz de Carlos do Carmo |
Luís Bayó Veiga é autor dos artigos:
– O Sítio do Cais do Sodré, Origem e Vivências
– Os 100 Anos do Parque Mayer – Histórias, Vivências e Memórias
– Breve História das Embarcações do Estuário do Tejo
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